Missão de Pesquisas Folclóricas

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Em 1938 o Departamento de Cultura da cidade de São Paulo enviou um grupo de pesquisadores ao Norte e Nordeste do Brasil em pesquisa idealizada por Mario de Andrade, então Diretor do Departamento. Batizado de Missão de Pesquisas Folclóricas, o grupo formado por Luís Saia, Martin Braunwieser, Benedicto Pacheco e Antônio Ladeira tinha por objetivo registrar nossos cantos e danças. De fato, entre fevereiro e julho daquele ano a equipe gravou, fotografou, filmou e estudou as melodias que homens e mulheres usavam para trabalhar, se divertir e rezar.

A expedição viajou por mar e terra visitando os estados de Pernambuco, Paraíba, Ceará, Piauí, Maranhão e Pará colhendo as danças realizadas principalmente na época do Carnaval e no mês de junho, nas festas de São João. O Estado da Bahia não foi comtemplado no roteiro porque para Mário de Andrade interessava registrar as festas baianas do início do mês de dezembro. Além disso, o Departamento de Cultura já colhera algum material da região quando da visita de Camargo Guarnieri a Salvador, em 1937.

A bagagem da equipe, pode-se imaginar, era mesmo enorme: os pertences pessoais dos pesquisadores somavam-se a seis malas e três caixas que abrigavam gravador, amplificador, agulhas, microfones com cabos e tripé, válvulas, 237 discos, gerador, pré-amplificador, blocos de papel, cadernetas para anotação, fones, pick-up para gravador, 118 filmes para fotografia, 21 filmes para cinematografia, câmara fotogáfica com filtros e lentes, aparelho cinematográfico com lentes e pastas de couro para transporte dos discos.

O trajeto da Missão de Pesquisas Folclórica seguia, em linhas gerais, aquele estabelecido pelo Diretor do Departamento e era, por sua vez, muito semelhante ao que ele, Mário, percorrera em sua segunda viagem ao norte e nordeste, em 1928/1929. A Missão chegou no Recife, primeira escala de trabalho, a 13 de fevereiro, ali permanecendo até 23 de março. O trabalho contemplou outras localidades do estado de Pernambuco: Rio Branco, Tacaratu, Brejo dos Padres e Folha Branca.

A partir de 23 de março a equipe se estabeleceu na Paraíba onde esteve até 30 de maio, fazendo duas incursões ao sertão e arredores de João Pessoa com visitas aos bairros Rogers e Torrelândia e as cidades de Itabaiana, Campina Grande, Patos, Pombal, Souza, Cajazeiras, Coremas, Alagoa Nova, Areia, Alagoa Grande, Mamanguape e Baía da Traição.

A viagem para São Luís foi longa, devido a uma pane com o caminhão que os transportava, tendo se alongado por dezesseis dias. Assim, entre 30 de maio e 15 de junho eles passaram pelo Ceará e o Piauí e entraram no Maranhão por Flores.

No Maranhão a equipe só trabalhou na Capital, entre 15 e 21 de junho. Luís Saia fora informado, por um telegrama, que o grupo deveria regressar rapidamente a S. Paulo por causa de uma crise política na Prefeitura, crise que culminou com o afastamento de Mário de Andrade da Chefia do Departamento. Ainda assim, a Missão seguiu para o Pará, onde estiveram até 7 de julho, pesquisando apenas em Belém.

Com metodologia de pesquisa alicerçada no Curso promovido pela Sociedade de Etnografia e Folclore, ministrado por Dina Lévy-Strauss, pela vivência de Mário de Andrade e tendo em vista as diretrizes do musicólogo rumeno Constantin Brailoiu, o grupo paulista desenvolveu uma forma eficaz de abordar os assuntos a serem descritos e registrados. Antes de gravarem, assistiam a um ensaio ou primeira apresentação da peça, quando colhiam alguns informes. Tais informes eram usados para controlar a gravação - tempo de duração e disposição dos microfones - para a fotografia e filmagem - a partir da determinação das partes da dança e vestimentas - bem como para se elencar quais as perguntas a serem feitas ao grupo e seus participantes. Gravar ao ar livre, com equipamento grande e sofisticado, em locais onde não havia luz elétrica, era tarefa complicada. Assim, cada seção de gravação - aproveitada também para fotografias e filmagem - era antecedida de pesquisas orais, complementadas após a conclusão dos registros mecânicos.

Em algumas cidades foi possível para a Missão colher instrumentos, vestimentas e objetos dos asuntos pesquisados. Tudo era anotado nas Cadernetas de Campo, espaço para cada membro da equipe anotar também informações complementares, relativas ao andamento do trabalho, bem como a descrição de cada fotografia feita, ou número dos discos e respectivos conteúdos. Nelas Luís Saia marcava até mesmo o trajeto e custos da viagem, ou ainda, desenhava objetos e detalhes sobre a arquitetura de cada região.

O arquiteto Luís Saia também se fez presente no cuidado ao desenhar e descrever, por exemplo, o Convento de São Francisco, em João Pessoa, ou locais por onde passaram e trabalharam, como a Baía da Traição.

Dos 237 discos de acetato levados pela Missão de Pesquisas Folclóricas, 169 foram utilizados para as gravações no aparelho de marca Presto Recorder, com agulhas de safira. Neles foram registradas aproximadamente 1500 melodias. Número tão grande de linhas melódicas é justificado, em parte, pela presença de vários bailados ou grupo de cantigas entoados tendo, como pano de fundo, uma história ou narrativa maior.

As 674 fotos feitas pela Missão de Pesquisas Folclóricas foram tiradas, quase todas, por Luis Saia. Elas em geral acompanham cenas dos assuntos pesquisados, mesmo que filmados, mas, principalmente, registram os rostos dos informantes, músicos, cantadores e artesões entrevistados.

Nos filmes feitos pela missão, 16 mm, preto e branco, mudos, foram registradas cenas de algums danças cujos cantos foram gravados. Estes registros complementam-se, na pesquisa, com as entrevistas dos informantes e as fotografias de cenas das coreografias.

O acervo formado pela Missão de Pesquisas Foclóricas vem demonstrando, há mais de sessenta anos, a importância dos documentos que ali estão preservados. Importância, aliás, que já fora reconhecida pela Biblioteca do Congresso de Washington que, no início da década de 40, copiou para si todos os fonogramas gravados em 1938. Importância que se afirma, também, no dia-a-dia da musicologia brasileira que ali tem buscado temas de estudo sobre o cantar do nosso povo e a transformação que nele vem ocorrendo em função dos mais variados fatores.

Discos, fotografias, papéis diversos e objetos necessitam, contudo, de atenção constante para que não se deteriorem, apesar do zelo dos funcionários da Discoteca que sucederam Oneyda Alvarenga. Além disso, a própria musicóloga não conseguiu, por falta de verba, concluir algumas tarefas que assegurem a divulgação e preservação do acervo. Logo, através de um termo de Cooperação Técnica entre o Centro Cultural São Paulo e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional tem sido possível garantir a vida útil da coleção.