Lavagem de dinheiro
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[editar] Noção
Lavagem de dinheiro, no Brasil, ou branqueamento de capitais, em Portugal, é uma expressão que se refere a práticas econômico-financeiras que têm por finalidade dissimular ou esconder a origem ilícita de determinados activos financeiros ou bens patrimoniais, de forma a que tais activos aparentem uma origem lícita ou a que, pelo menos, a origem ilícita seja difícil de demonstrar ou provar. É dar fachada de dignidade a dinheiro de origem ilegal.
[editar] Evolução
A questão da lavagem de dinheiro como um problema social de caráter internacional surgiu no final dos anos 80 - mais exatamente com a Convenção de Viena em 1988 - e foi rapidamente inserida em variados instrumentos internacionais que exigiram a respectiva criminalização. O impulso inicial foi motivado pelas consequências dos lucros do tráfico de droga.
Nos anos 1990 surge a tendência de usar este método para a prevenção e o combate ao crime organizado e sua associação com a corrupção política, judicial, policial - enfim, oficial, que facilite a criminalidade; e, em geral, contra toda a criminalidade que gere lucros. As 40 recomendações é o documento-referência sobre prevenção e combate à lavagem de dinheiro da Financial Action Task Force - ou Grupo de Ação Financeira sobre Lavagem de Dinheiro (GAFI/FATF)- escritas em 1990, foram revisadas em 1996.
Na sequência dos ataques de 11 de Setembro de 2001, passa a ser seriamente considerada a questão correlata do financiamento ao terrorismo.
[editar] Terrorismo
Dadas suas características específicas, o crime de terrorismo é geralmente tratado, nas convenções internacionais, como assunto correlato à lavagem de dinheiro. Trata-se de uma exceção: no caso do terrorismo, a origem do dinheiro não precisa ser necessariamente ilícita - contrariando a definição clássica de lavagem. Um milionário pode financiar um grupo terrorista usando dinheiro lícito, obtido de seus negócios regulares. Terá, curiosamente, que "lavar dinheiro ao contrário"; ou seja, dar legalidade a um gasto ilegal, e não a um ganho.
Para tratar do terrorismo, foi necessária a edição das Oito Recomendações Especiais sobre Financiamento do Terrorismo. Em junho de 2002, os ministros das Relações Exteriores do G-8 endossaram um conjunto revisado de recomendações sobre combate ao terrorismo que previa um compromisso para a total implementação da Resolução UNSCR 1373, da ONU - sobre repressão aos terroristas e suas atividades - e oito recomendações especiais para a Força-Tarefa de Ação Financeira (Financial Action Task Force - FATF) sobre o assunto.
[editar] Métodos e fases
Os métodos usados para atingir esta finalidade estão para a imaginação. É muito comum a divisão do processo de lavagem em três fases ou etapas: colocação, ocultação e integração. No processo de colocação, o dinheiro, geralmente de forma pulverizada, é introduzido no sistema financeiro, através de depósitos ou pequenas compras de ativos. Na segunda etapa, a ocultação, os valores são transferidos sistematicamente entre contas ou entre as aplicações em ativos de maneira a despistar o tráfego e ao mesmo tempo, concentrar os valores, aglutinando-os progressivamente. Finalmente, na integração, os valores são introduzidos na economia formal, sob a forma de investimentos - geralmente isso acontece em praças onde outros investimentos já vêm sendo feitos ou estão em crescimento, de forma a confundir-se com a economia formal.
Pode-se, também, com a utilização de doleiros, remeter os valores em espécie para paraísos fiscais e, de lá, trazer os valores de volta, como se fossem investimentos feitos a partir daqueles países.
Pode-se lavar ativos: se o lavador conseguir que pedras preciosas ou obras de arte sejam validados com certificados legais - através da corrupção de agentes públicos, o dinheiro proveniente dessas vendas não precisará ser lavado, pois sua origem será, supostamente, lícita. Assim, o que foi lavado não foi o dinheiro, mas o ativo original.
O objetivo da lavagem de dinheiro não é o lucro, mas a dissimulação da origem ilícita dos valores, o que pode acarretar custos. Assim, os lavadores podem fazer negócios que seriam considerados "muito ruins" ou "desaconselháveis" pelas regras da economia e os princípios da administração. Isso pode acontecer, por exemplo, quando se utiliza da técnica de compra de passivos: empresas endividadas ou falidas são compradas por preços irreais e usadas mais tarde como fachada para novas transações.
É possível fazer a lavagem de dinheiro através de cassinos, utilizando combinações de apostas que se destinam a não perder muito dinheiro, ou quase nenhum, como por exemplo através de apostas que se cancelam mutuamente.
[editar] Criminalização
A criminalização da lavagem de dinheiro foi exigida por vários instrumentos de direito internacional, com destaque para a Convenção de Viena de 1988, a Convenção contra o crime organizado transnacional de 2000, e a Convenção contra a corrupção de 2003. O Grupo de Acção Financeira Internacional sugeriu a criminalização logo nas suas primeiras recomendações, emitidas em 1990.
Em Portugal, a criminalização foi introduzida por lei de 1993, sob a influência da primeira Directiva comunitária. Em 2004, o crime foi introduzido no Código Penal (Lei n. 11/2004, de 27 de Março, que aditou o artigo 368-A).
Em Macau, a criminalização foi introduzida em 1997 pela chamada lei do crime organizado. A matéria foi reformada em 2006 através da Lei n. 2/2006, de 3 de Abril.
O Brasil assinou a Convenção de Viena e, em março de 1998, aprovou a Lei nº 9.613, que tipifica o crime de lavagem de dinheiro.
A criminalização da lavagem de capitais, de um ponto vista dogmático jurídico-penal, levanta múltiplos problemas, como os seguintes: definição do bem jurídico protegido, elementos objectivos (designadamente, a ligação com o crime precedente), elementos subjectivos (designadamente, a punibilidade do dolo eventual), concurso de normas com o crime precedente, e outros problemas debatidos pela dogmática e pelos tribunais.
Do ponto de vista da acção penal, as principais dificuldades consistem em provar que os bens são de origem ilícita e provar que o agente conhece essa origem.
[editar] Prevenção e detecção
As regras e recomendações internacionais apontam no sentido da criação de mecanismos específicos de prevenção e detecção da lavagem de dinheiro, a instituir por bancos, seguradoras, casinos, advogados, notários e outras entidades. Tais mecanismos giram à volta de três aspectos centrais: identificação dos clientes; conservação de registos das operações e de documentos de identificação; e informação sobre indícios de transacções suspeitas às autoridades competentes para a investigação.
Em Portugal, veja-se a Lei n. 11/2004, de 27 de Março.
Em Macau, veja-se a Lei n. 2/2006, de 3 de Abril, a Lei n. 3/2006, de 10 de Abril, o Regulamento Administrativo n. 7/2006, de 15 de Maio, e ainda a regulamentação complementar emitida pelas diversas entidades encarregues da supervisão nas várias áreas.
No Brasil, pode-se consultar: Lei nº 9.613, de 03.03.98; Lei nº 7.560, de 19.12.86; Decreto nº 2.799, de 08.10.98; Portaria nº 330, de 18.12.98, do Ministro de Estado da Fazenda; Portaria nº 350, de 16.10.02, do Ministro de Estado da Fazenda; Lei Complementar nº 105, de 10.01.2001.
[editar] Bibliografia
- Jorge Godinho, Do crime de branqueamento de capitais, Introdução e tipicidade, Almedina, Coimbra, 2001, ISBN 9724014541
- Vitalino Canas, O crime de branqueamento: regime de prevenção e de repressão, Almedina, Coimbra, 2004.
- Raymond W. Baker, Capitalism's Achilles Heel - Dirty money and How to Renew the Free-Market System, Wiley, New Jersey, 2005.
- Jean Ziegler, A Suíça Lava Mais Branco, Inquérito, Lisboa, 1990.
- Jean Ziegler, Os Senhores do Crime, Terramar, Lisboa, 1999.
[editar] Veja também
[editar] Ligações externas
- Página sobre Lavagem de Dinheiro do site "Monitor das Fraudes"
- Página pessoal do Prof. Jorge Godinho, da Faculdade de Direito da Universidade de Macau
- Página do COAF - Conselho de Controle de Atividades Financeiras do Governo Brasileiro
- http://www.ibgf.org.br/ - Instituto Brasileiro Giovanni Falcone