Anodontia
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Ausência da formação do germe dentário. Ausência congênita de incisivos laterais permanentes - Uma abordagem clínica Adriana Modesto Gomes da Silva Vieira ( modesto@acd.ufrj.br ) Andréa Pereira de Morais - Especialista e Mestranda em Odontopediatria pela UFRJ Rogério Gleiser - Professor Adjunto do Departamento de Odontopediatria e Ortodontia da Fac.de Odontologia da UFRJ SINOPSE A anodontia parcial verdadeira de um ou mais dentes é uma condição bastante comum. Os incisivos laterais permanentes superiores são elementos que comumente estão ausentes, muitas vezes em ambos os lados da arcada, causando grande transtorno para a oclusão em desenvolvimento. Tal condição, não raro, pode estar associada com anomalias sistêmicas. A responsabilidade do Odontopediatra baseia-se no diagnóstico precoce e o correto encaminhamento do paciente procurando minimizar problemas funcionais, estéticos e psicológicos decorrentes dessa anomalia, sendo a resolução final do caso de âmbito multidisciplinar.
INTRODUÇÃO
O Odontopediatra é o profissional responsável pelo monitoramento do desenvolvimento orofuncional da criança, desde o seu nascimento até a idade adulta. Desta forma, cabe a este o diagnóstico da maior parte das anomalias dentárias dessa faixa etária. A ausência de dentes pode levar a sérios danos à saúde oral e afetar o indivíduo como um todo, principalmente, se houver um envolvimento estético severo. O objetivo deste trabalho é discutir o papel do odontopediatra na ausência congênita de incisivos laterais permanentes através de uma breve revista da literatura a qual se somará a ilustração de alguns casos clínicos.
REVISTA DA LITERATURA
A ausência congênita de um ou mais dentes, como é o caso da ausência de incisivos laterais permanentes (ACILP), tem recebido diferentes denominações na literatura, o que pode levar a uma certa confusão em termos diagnósticos. Apesar de apresentarem diferenças etimológicas, os termos anodontia parcial, oligodontia e hipodontia têm sido usados como sinônimos dessa anomalia, pois apresentam significados semelhantes. 04,08,09,11 A ACILP apresenta marcantes diferenças, devido, principalmente, a fatores raciais, mas de uma forma geral, como característica isolada, pode ser considerada uma condição bastante comum, tendo uma freqüência de 1:20 na população. Essa anomalia normalmente atinge a arcada superior, podendo ser uni ou bilateral. Os fatores etiológicos, segundo MC DONALD E AVERY04, estão ligados à falta da fase de iniciação, ou mesmo à parada na proliferação celular da lâmina dentária durante essa fase, resultando no desenvolvimento deficiente dos germes dentários ou mesmo na sua agenesia. Assim, um grande número de fatores etiológicos podem estar ligados a essa anomalia. Uma variedade de enfermidades de ordem geral pode levar à ausência congênita de dentes. Encontram-se citadas na literatura deficiências nutricionais e doenças infecto-contagiosas da infância sendo responsabilizadas como possíveis causas dessa anomalia de número. Alterações maternas a nível intra-uterino, traumas durante o parto ou até mesmo alterações nutricionais da mãe durante o período gestacional são citadas como causas potenciais. Dentre os fatores de ordem local, são citados inflamações agudas e crônicas, tumores do tipo odontoma e sarcoma, cistos foliculares e a radiação X muito usada em tratamento radioterápico. Causas idiopáticas também são descritas levando a destruição do germe dental 08,09,11,18. Todos os fatores descritos podem ocorrer em uma fase bem precoce e têm características irreversíveis. Como os dentes permanentes têm sua iniciação na sétima semana de vida intra-uterina, o Odontopediatra deve estar atento a qualquer distúrbio que possa lesar os germes dentais em desenvolvimento, mesmo antes do nascimento 18 Há autores, entretanto, que encaram a ACILP como uma simples diminuição do número de dentes da arcada, resultado de uma expressão da redução filogenética da espécie humana, levando em conta o fato do incisivo lateral (IL) ser um dente considerado final de série.11,18 De fato, a etiologia mais significativa quando se lida com esta característica, de forma isolada, relaciona-se à hereditariedade. Existe uma tendência familiar na ACILP, mas na verdade essa condição é passada de geração para geração por um sistema poligênico autossômico dominante com penetrância incompleta e expressão variável, ou seja, o indivíduo que possui tais genes pode ou não apresentar manifestações clínicas, variando desde uma simples diminuição no diâmetro mesio-distal do IL até a ausência completa desse elemento.01,03,11,18. Isto significa que características extremamente sutis podem determinar a sua ocorrência. Sendo assim, o Odontopediatra pode e deve ser o primeiro a suspeitar desses achados e durante a anamnese; os dados sobre os antecedentes familiares podem despertar o profissional, principalmente se alguma doença a nível sistêmico for relatada. Existe uma associação frequente da oligodontia com várias doenças genéticas de ordem sistêmica, em alguns casos sugerindo a hipótese de que a ACILP pode ser uma forma branda de displasia ectodérmica. Nessa doença de origem hereditária, o quadro de oligodontia grave (figura 4), normalmente, está associado com outras manifestações clínicas de transtornos no desenvolvimento da camada ectodérmica como a hipoidrose e a hipotricose 07,11 Quanto ao diagnóstico, a formação do incisivo lateral permanente pode ser constatada radiograficamente em 97% das crianças aos três anos e meio de idade 04, sendo que um retardo no desenvolvimento, que não exceda 1 ano e que envolva toda a dentição, pode ser considerado dentro dos limites normais 18. Isto se torna de vital importância quando se necessita de um diagnóstico precoce. Muitos pais são tomados de grande ansiedade quando sabem que seu filho pode ser portador de uma anomalia que invariavelmente terá implicações estéticas na vida adulta. Outro fator que pode auxiliar no diagnóstico é a presença ou não do dente antecessor, o incisivo lateral decíduo. Existe uma estreita correlação, devido a suas origens histológicas, entre a ausência de dentes decíduos e seus sucessores permanentes. Porém, essa anomalia está raramente presente na primeira dentição, mas quando ocorre, envolve geralmente o IL (figura 5) 04. Assim, problemas psicológicos decorrentes da aparência anti-estética da ACILP podem ser trabalhados desde a tenra idade, inclusive com a utilização de próteses até que o problema seja resolvido em definitivo. Há conseqüências marcantes na arcada com a ACILP. Segundo MCNEILL E JOONDEPH05, a ausência congênita de um ou mais IL superiores introduzem um desequilíbrio em potencial no comprimento dos arcos dentários, tanto maxilar como mandibular ,na dentição permanente. São observadas alterações dos planos inclinados dentários, modificação na forma e diminuição do comprimento do arco. A presença de diastemas na região anterior é característica, apesar da erupção mesial dos caninos permanentes ser freqüênte e desejável em certos casos. Também pode ocorrer a não esfoliação do incisivo lateral decíduo que pode continuar na arcada por tempo indeterminado. Problemas relacionados a hábitos de língua ou sucção de lábio são freqüentes em pacientes com espaços edêntulos, o que pode levar a uma hiperqueratose desses tecidos ou mesmo a uma alteração dos contornos com o objetivo de preencher parcialmente esse espaço. 05,06,11,18 Após um correto diagnóstico, deve-se esperar até a dentição permanente para que se inicie o tratamento definitivo. Basicamente existem dois tipos de tratamento para essa situação: o fechamento do espaço edêntulo ortodonticamente com o remodelamento dos caninos para que estes tomem a forma de incisivos laterais ou a reconstituição protética dos elementos ausentes, acompanhada ou não da necessidade de obtenção de espaço ortodonticamente 05,06,10,17,18 O Odontopediatra atua como coadjuvante nesse processo multidisciplinar. A partir do diagnóstico precoce, a opção por um dos tratamentos deve ser feita o mais cedo possível. Quando a escolha recair sobre o fechamento de espaço com a mesialização dos caninos permanentes (CP), este processo pode ser otimizado com a extração orientada dos incisivos laterais decíduos (ILD), se presentes, no início do processo de erupção dos CP ou pouco antes, para que estes assumam um posicionamento mesial no arco dentário. Quando a opção for a reconstrução protética dos elementos ausentes, como regra geral, deve-se promover a manutenção de espaço até que uma solução definitiva seja possível. Dessa maneira o profissional estará contribuindo para a diminuição dos danos e a simplificação do processo curativo. Há vantagens e desvantagens quando se opta pelo reposicionamento do CP no lugar incisivo lateral. Apesar de termos como principal desvantagem a perda da guia canina, com a desoclusão lateral feita com função de grupo, em apenas em um pequeno número de casos há a necessidade da abertura de espaço para prótese. 05,18 O primeiro premolar é um substituto adequado para o canino e este pode ser remodelado para suprir as funções do IL, conseguindo-se um resultado permanente satisfatório. 10,18 Assim, este também tem boas possibilidades de se tornar o tratamento de escolha , visto que nem sempre a opção de uma prótese é bem recebida pelo paciente e por seu responsável. A presença de maloclusões onde será necessária a extração de dentes permanentes inferiores, torna o fechamento de espaço no arco superior a melhor opção 05. Porém, quando há um bom alinhamento do arco inferior associado a uma oclusão Classe I de molar, em alguns casos em que são encontradas formas inadequadas de dentes, especialmente os caninos ou quando apenas um dos incisivos laterais está presente, fatores secundários como tamanho, cor e posição do canino, linha do sorriso, etc devem receber atenção redobrada e a indicação da reconstituição protética dos incisivos laterais pode ser a melhor alternativa 05,06,18. Nessa reconstrução, pode-se utilizar uma variedade de recursos protéticos, entre eles a prótese fixa convencional, uma ponte em balanço, a prótese adesiva e ,mais recentemente, os implantes osteointegrados 02,12.
CONCLUSÃO
A situação clínica em que o Odontopediatra se depara com a ausência congênita de dentes é uma das mais importantes em termos de oclusão e estética. Assim, o profissional consciente, pode e deve intervir na época correta e de maneira adequada minimizando os problemas decorrentes dessa anomalia. Para isso uma equipe multidisciplinar é imprescindível.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
01.ALVESALO, L. & PORTIN, P. The inheritance pattern of mising, peg-shaped, and strngly mesio-distally reduced upper lateral incisors. Acta. Odontol. Scand.,v.27, n.7, p.563-75,Mar.,1969. 02.GOLDFOGEL, M.H. & LAMBERT, R.L. Cantilever fixed prosthesis replacing the maxillary lateral incisor: desing consideration. J Prosthet Dent. v.54, n.4,p.477-8, 1995. 03.GRABER, L.W. Congenital absenc of teeth: a review with emphasis on inheritance patterns. J.Amer.Dent.Ass. v.96, n.2, p.266-75,Aug., 1978. 04.MCDONALD, R.E. & AVERY, D.R. Odontopediatria. 6.ed Guanabara Koogan. 1996 05.MCNEILL, R.W. & JOONDEPH, D.R. Congenitally absent maxillary lateral incisors: treatment planning considerations. Angle Orthod. v.43, n.1, p.24-9, Jan, 1973. 06.MILLER T.E. Implications of congenitally missing teeth: orthodontic and restorative procedures in the adult patient. J.Prosthet Dent. v.73, n.2, p.115-22, 1995. 07.MORAIS, A.P., VIEIRA, A.R. & PRIMO, L.S.S.G. Displasia ectodérmica Anidrótica: contribuição da odontopediatria no diagnóstico precoce. Pediatr Atual v.9, n.3, p.66-70, Mar, 1996. 08.MOYERS, R.E. Handbook of orthodontics, 3.ed, Year book medical publicher,1973. 09.SALZMANN, J.S. Orthodontics in daily practice, 1ed, Lippincott,1974. 10. SENTY E.L. The maxillary cuspid and missing lateral incisor: esthetics and occlusion. Angle Orthod. v.46, n.4, p.365-71, 1976. 11. SHAFER, W.G., HINE, K.M. & LEVY, B.M. Tratado de patologia bucal, 4. ed., Interamaricana, 1985. 12. SHILLINGBURG, H.T., HOBO, S. & WHITSETT, L.D. Diagnóstico e plano de tratamento In Fundamentos de prótese fixa. 1a ed ., Quintessence Publishing , p.13-46, 1988. 13. STAFNE, E.C. & GIBILISCO, J.A. Diagnóstico radiológico bucal , 4. ed., interamericana, 1982. 14. TRUSHKOWSKY R.D. Replacement of congenitally missing lateral incisors with ceramic resin-bonded fixed parcial dentures. J Prosthet Dent. v.73, n.1,p.12-6, 1995. 15. TUVERSON D.L. Orthodontic treatment using canines in place of missing maxillary lateral incisors. Am. J. Orthodont. v.58, n.2, p.109-27, 1970. 16. WALTER, L.R.F., FERELLE, A. & ISSAO, M. Necessidades odontológicas congênitas e de desenvolvimento. In Odontologia para o bebê. 1.ed Artes Médicas. 1996 17. WOOLF C.M. Missing maxillary lateral incisors: a genetic study. Am J Hum Gent. v.23, n.5, p.289-96, 1971. 18. ZACHRISSON, B.U. & MJOR, I.A. Remodeling of teeth by grinding. Am. J. Orthodont. v.68, n.5, p.545-53, 1975.
MORAIS, A.P., MODESTO, A. & GLEISER, R. Ausência Congênita de Incisivos Laterais Permanentes. Uma Abordagem Clínica. J. Bras. Odont. & O. Bebê, Curitiba, v.1, n.1, p.73-79, Jan./ Mar., 1998.
Data de Publicação do Artigo: 16 de Abril de 1998
