Teorema fundamental da álgebra
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Em matemática, o teorema fundamental da Álgebra afirma que qualquer polinómio p(z) com coeficientes complexos de uma variável e de grau n ≥ 1 tem alguma raiz complexa. Por outras palavras, o corpo dos números complexos é algebricamente fechado e, portanto, tal como com qualquer outro corpo algebricamente fechado, a equação p(z) = 0 tem n soluções (não necessariamente distintas).
O nome do teorema é hoje em dia considerado inadequado por muitos matemáticos, por não ser fundamental para a Álgebra contemporânea.
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[editar] História
Peter Rothe, no seu livro Arithmetica Philosophica (publicado in 1608), escreveu que uma equação polinomial de grau n (com coficientes reais) pode ter n soluções. Albert Girard, no seu livro L'invention nouvelle en l'Algèbre (publicado in 1629), afirmou que uma equação polinomial de grau n tem n soluções, mas não disse que tais soluções eram necessariamente números complexos. Além disso, ele disse que a sua afirmação era válida «a menos que a equação seja incompleta», querendo dizer com isto que nenhum coeficiente é igual a 0. No entanto, quando ele explica em detalhe o que quer dizer, torna-se claro que, de facto, ele acredita que a afirmação dele é válida em todos os casos; por exemplo, ele mostra que a equação x4 = 4x − 3, embora incompleta, tem quatro soluções: .
Em 1637, Descartes escreve em La géométrie o que anos antes Harriot havia descoberto - se é raiz de um polinómio, então divide o polinómio. Descartes afirmou também que para todas as equações de grau n, podemos imaginar n raízes, mas estas podem não corresponder a quantidades reais.
Uma consequência do teorema fundamental da Álgebra é que qualquer polinómio com coeficientes reais e grau superior a 0 pode ser escrito como produto de polinómios com coeficientes reais de graus 1 ou 2. No entanto, em 1702 Leibniz afirmou que nenhum polinómio do tipo (com real e não nulo) pode ser obtido sob aquela forma. Anos mais tarde, Nicolaus II Bernoulli (1695-1726) afirmou o mesmo relativamente ao polinómio , mas recebeu uma carta de Euler em 1742 na qual lhe foi explicado que o seu polinómio era de facto igual a
- ,
sendo α a raiz quadrada de , enquanto que
- .
Uma primeira tentativa de demonstrar o teorema foi levada a cabo por d'Alembert em 1746, mas na altura a demonstração foi considerada incorrecta. Entre outros problemas, usava implicitamente um teorema (actualmente designado por teorema de Puiseux) que só viria a ser demonstrado um século mais tarde e cuja demonstração se pensava depender do teorema fundamental da álgebra. No entanto, hoje em dia há quem defenda que a demonstração de D'Alembert foi mal compreendida, e que de facto não depende do teorema fundamental da álgebra ou seja, não é circular. Outras tentativas foram levadas a cabo por Euler (1749), de Foncenex (1759), Lagrange (1772) e Laplace (1795). Estas últimas quatro tentativas recorreram à tese de Argand; mais precisamente, a existências de raízes era dada como certa e o que faltava provar era que eram da forma para números reais a e b. Em terminologia moderna, Euler, de Foncenex, Lagrange e Laplace estavam a supor a existência de um corpo de decomposição do polinómio .
No fim do século 18 foram publicadas duas novas demonstrações que não supunham a existência de raízes. Uma delas, da autoria de James Wood e sobretudo algébrica, foi publicada em 1798 e completamente ignorada. A demonstração de Wood tinha uma falha de natureza algébrica. A outra demonstração foi publicada por Gauss em 1799 e era sobretudo geométrica, mas tinha uma falha topológica. Uma demonstraçao rigorosa foi publicada por Argand em 1806; foi aqui que, pela primeira vez, o teorema fundamental da Álgebra foi enunciado para polinómios com coeficientes complexos e não apenas para polinómios com coeficientes reais. Gauss publicou mais duas demonstrações em 1816 e uma nova versão da primeira demonstração em 1849.
O primeiro manual universitário a conter uma demonstração do teorema foi o Cours d'analyse de l'École Royale Polytechnique, de Cauchy (1821). A demonstração em questão é a de Argand, embora este não seja mencionado.
Nenhuma das demonstrações até agora mencionadas é construtiva. Foi Weierstrass quem levantou pela primeira vez, em 1891, o problema de encontrar uma demonstração construtiva do teorema. Tal demonstração foi obtida por Hellmuth Kneser em 1940 e simplificada pelo seu filho Martin Kneser em 1981.
[editar] Demonstrações
Todas as demonstrações do teorema envolvem Análise ou, mais precisamente, o conceito de continuidade de uma função real ou complexa. Algumas funções também empregam derivabilidade ou mesmo funções analíticas.
Algumas demonstrações provam somente que qualquer polinómio de uma variável com coeficientes reais tem alguma raiz complexa. Isto basta para demonstrar o teorema no caso geral pois, dado um polinómio p(z) com coeficientes complexos, o polinómio tem coeficientes reais e, se z0 for uma raiz de q(z), então z0 ou o seu conjugado é uma raiz de p(z).
Um grande número de demonstrações não algébricas usa o facto de p(z) se comportar como zn quando | z | for suficientemente grande. Mais precisamente, existe algum número real positivo R tal que, se | z | > R, então
- | z | n / 2 < | p(z) | < 3 | z | n / 2.
Seguem-se demonstrações baseadas em Análise, Topologia e Álgebra:
[editar] Demonstrações analíticas
Seja r > 0 tal que | p(z) | > | p(0) | quando | z | ≥ r e seja D o disco fechado de raio r centrado em 0. Uma vez que D é compacto, a restrição a D de | p | tem um mínimo; seja z0 um ponto de D onde esse mínimo seja atingido. Então, z0 não pode estar situado na fronteira de D, pois nos pontos z da fronteira tem-se | p(z) | > | p(0) | ≥ | p(z0) | . Logo, z0 está no interior de D e, portanto, pelo princípio do mínimo, p(z0) = 0. Por outra palavras, z0 é um zero de p(z).
Outra demonstração analítica pode ser obtida usando o teorema de Liouville. Suponhamos com vista a um absurdo que p(z)≠0 para todo o z pertencente a C. Como p(z) é inteira e não tem raizes, então 1 / p(z) também é inteira. Visto que |p(z)|→∞ quando |z|→∞, então existem M,r > 0 tais que | p(z) | > M se | z | > r. Assim, para | z | > r, temos que 1 / | p(z) | < 1 / M. Como 1 / p(z) é inteira, é contínua em C portanto é limitada no compacto |z|≤r. Logo 1 / p(z) é limitada em C. Nestas condições, aplicando o Teorema de Liouville, 1 / p(z) é constante. Donde, p(z) é constante, o que é um absurdo. Logo p(z) tem que ser zero para algum valor de z pertencente a C.
[editar] Demonstrações topológicas
Em alternativa ao uso do teorema de Liouville na demonstração anterior, pode-se escrever p(z) como um polinómio em z − z0: há algum número natural k e há números complexos ck, ck + 1, … , cn tais que ck ≠ 0 e que
- p(z) = p(z0) + ck(z − z0)k + ck + 1(z − z0)k + 1 + ··· + cn(z − z0)n.
Deduz-se que se a for uma raiz de ordem k de − p(z0) / ck e se t for positivo e suficientemente pequeno, então | p(z0 + ta) | < | p(z0) | , o que é impossível, uma vez que | p(z0) | é o mínimo de | p | em D.
Para outra demonstração topológica, suponha-se que p(z) não tem zeros. Seja R um número real positivo tal que, quando | z | = R, o termo dominante zn de p(z) domine todos os outros; posto de outro modo, tal que | z | n > | an − 1zn − 1 + ··· + a0 | . À medida que z percorre o círculo | z | = R uma vez no sentido directo, p(z), tal como zn, dá n voltas em torno de 0 no sentido directo. Por outras palavras, o índice relativamente a 0 do lacete percorrido por p(z) é n. No extremo oposto, quando | z | = 0, o lacete p(z) consiste somente no ponto p(0), cujo índice relativamente a 0 é obviamente 0. Se o lacete percorrido por z é deformado continuamente entre estes dois extremos, o caminho percorrido por p(z) também é continuamente deformado. Como p(z) não tem zeros, este caminho nunca passa por 0 à medida que vai sendo deformado, pelo que o seu índice relativamente a 0 não pode mudar. No entanto, como o índice passa de n para 0, isto é absurdo. Logo, p(z) tem necessariamente algum zero.
[editar] Demonstração algébrica
Esta demonstração usa somente dois factos cuja demonstração requer Análise ou, mais precisamente, o teorema dos valores intermédios, nomeadamente:
- qualquer polinómio de grau ímpar com coeficientes reais tem pelo menos um zero real;
- qualquer número real não negativo tem alguma raiz quadrada.
Resulta da segunda afirmação que, se a e b forem números reais, então há números complexos z1 e z2 tais que o polinómio z2 + az + b é igual a (z − z1)(z − z2).
Como já foi observado, basta demonstrar que o teorema é válido para polinómios p(z) com coeficientes reais. O teorema pode ser demonstrado por indução relativamente ao menor inteiro não negativo k tal que 2k divide o grau n de p(z). Seja F um corpo de decomposição de p(z) (visto como um polinómio com coeficientes complexos); por outras palavras, o corpo F contém C e há elementos z1, z2, …, zn de F tais que
- p(z) = (z − z1)(z − z2) ··· (z − zn).
Se k = 0, então n é ímpar e, portanto, p(z) tem alguma raiz real. Suponha-se agora que n = 2km (com m ímpar e k > 0) e que o teorema já se encontra demonstrado no caso em que o grau do polinómio é da forma 2k − 1m' com m' ímpar. Para um número real t, seja:
- .
Então os coeficientes de qt(z) são polinómios simétricos nos zi com coeficientes reais. Logo, podem ser expressos como polinómios com coeficientes reais nos polinómios simétricos elementares, ou seja, em − a1, a2, …, ( − 1)nan, pelo que qt tem, de facto, coeficientes reais. Além disso, o grau de qt é igual a n(n − 1) / 2 = 2k − 1m(n − 1), e m(n − 1) é ímpar. Logo, pela hipótese de indução, qt tem alguma raiz real; por outras palavras, zi + zj + tzizj é real para dois elementos distintos i e j de {1, …, n}. Como há mais números reais do que pares (i,j), é possível encontrar números reais distintos t e s tais que zi + zj + tzizj e zi + zj + szizj sejam reais (para os mesmos i e j). Consequentemente, tanto zi + zj como zizj são números reais e, portanto, zi e zj são números complexos, pois são raízes do polinómio z2 − (z1 + z2)z + z1z2.
[editar] Corolários
Visto que o teorema fundamental da Álgebra afirma que o corpo dos números complexos é algebricamente fechado, decorre do teorema que qualquer enunciado válido para aqueles corpos aplica-se, em particular, aos números complexos. Eis mais algumas consequências daquele teorema, relativas ou ao corpo dos números reais ou à relação entre aquele corpo e o dos números complexos:
- O corpo dos números complexos é a aderência algébrica do corpo dos números reais.
- Qualquer polinómio de uma variável x com coeficientes reais é produto de uma constante, polinómios da forma x + a com a real e polinómios da forma x2 + ax + b com a e b reais e a2 − 4b < 0 (que é o mesmo que dizer que o polinómio x2 + ax + b não tem raízes reais).
- Qualquer função racional de uma variável x, com coeficientes reais, pode ser escrita como a soma de uma função polinomial com funções racionais da forma a / (x + b)n (onde n é um número natural e a e b são números reais) e funções racionais da forma (ax + b) / (x2 + cx + d)n (onde n é um número natural e a, b, c e d são números reais tais que c2 − 4d < 0). Um corolário disto é que qualquer função racional de uma variável com coeficientes reais tem alguma primitiva elementar.
- Qualquer extensão algébrica do corpo dos números reais é isomorfa àquele corpo ou ao corpo dos números complexos.
[editar] Bibliografia
- A.-L. Cauchy, Cours d'Analyse de l'École Royale Polytechnique, 1ère partie: Analyse Algébrique, 1992, Éditions Jacques Gabay, ISBN 2-87647-053-5
- B. Fine e G. Rosenberger, The Fundamental Theorem of Algebra, 1997, Springer-Verlag, ISBN 0-387-94657-8
- C. F. Gauss, «New Proof of the Theorem That Every Algebraic Rational Integral Function In One Variable can be Resolved into Real Factors of the First or the Second Degree», 1799
- C. Gilain, «Sur l'histoire du théorème fondamental de l'algèbre: théorie des équations et calcul intégral», Archive for History of Exact Sciences, 42 (1991), 91–136
- E. Netto e R. Le Vavasseur, «Les fonctions rationnelles §80–88: Le théorème fondamental», em Encyclopédie des Sciences Mathématiques Pures et Appliquées, tome I, vol. 2, 1992, Éditions Jacques Gabay, ISBN 2-87647-101-9
- R. Remmert, «The Fundamental Theorem of Algebra», em Numbers, 1991, Springer-Verlag, ISBN 0-387-97497-0
- D. E. Smith, «A Source Book in Mathematics», 1959, Dover Publications, ISBN 0-486-64690-4
- F. Smithies, «A forgotten paper on the fundamental theorem of algebra», Notes & Records of the Royal Society, 54 (2000), 333–341
- M. Spivak, Calculus, 1994, Publish or Perish, ISBN 0-914098-89-6
- B. L. van der Waerden, Algebra I, 1991, Springer-Verlag, ISBN 0-387-97424-5
- C. Baltus, «D’Alembert proof of the fundamental theorem of algebra», Historia Mathematica 31 (2004) 414-428