Neo-realismo
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
O neo-realismo foi uma corrente artística de meados do século XX, com um carácter ideológico marcadamente de esquerda / marxista, que teve ramificações em várias formas de arte (literatura, pintura, música) mas atingiu o seu expoente máximo no Cinema neo-realista, sobretudo no cinema italiano.
Índice |
[editar] O neo-realismo na literatura
A literatura neo-realista teve no Brasil e em Portugal motivações semelhantes, resgatando valores do realismo e naturalismo do fim do século XIX com forte influência do modernismo, marxismo e da psicanálise freudiana.
O determinismo social e psicológico do naturalismo é mantido, assim como a analogia entre o homem e o bicho (vide Angústia - Filme, de 1936), a busca pela objetividade e neutralidade como formas de dar credibilidade à narração.
Entretanto, se no naturalismo as mazelas da sociedade eram expostas pelos romancistas com algum pessimismo, sem perspectiva de solução a não ser o resgate ao passado A Ilustre Casa de Ramires, os escritores neo-realistas são sobretudo ativistas políticos, leitores de Marx, da prosa revolucionária de Górki e tomam posição na chamada luta de classes, denunciando as desigualdades sociais e os desmandos das elites. Vale lembrar que a industrialização somente no século XX deixou escancarada a distância entre os donos dos meios de produção e os trabalhadores. Enquanto internacionalmente a crise de 1929 foi estopim para o neo-realismo italiano e depois português, no Brasil a situação precária dos nordestinos foi retratada já a partir de A bagaceira, de 1928.
E se o neorealismo optou pela ficção, tanto no Brasil quanto em Portugal, se deve principalmente aos governos ditatoriais, quais sejam o Estado Novo de Getúlio Vargas no Brasil e o Salazarismo em Portugal.
Essa ficção neo-realista e pós modernista (no sentido de ser posterior ao movimento modernista) sofre as influências do Modernismo, especialmente a liberdade lingüística e o intimismo freudiano à Virginia Woolf. Elementos que se tornarão mais fortes num segundo momento do neo-realismo, culminando na prosa existencialista do meio do século XX.
Ver também: Romance de 30, Alves Redol, Soeiro Pereira Gomes. Vários autores como Manuel da Fonseca (Manuel Dias da Fonseca) destacaram-se também no Neo-Realismo Português. José Ernesto de Sousa teve um papel importante na teotização do movimento.
[editar] O neo-realismo na pintura
O neo-realismo marcou as propostas de pintura de pendor social dos anos 30 e 40. Ligada às questôes de carácter social e de denúncia, marcada pelo fervor revolucionário comunista, pelas vontades de demarcação das massas, pintores como Orozco e Rivera no México (exaltam o povo mexicano e as suas origens pré colombianas, valorizando o seu esforço na luta pela liberdade-anticolonialismo-e na construção do progresso do seu país), Cândido Portinari no Brasil, artistas soviéticos e portugueses aproveitaram para gravar em grandes murais, no caso da América Latina sobretudo, os grandes acontecimentos sociais e históricos que marcaram a época. Pintura mural figurativa de grandes dimensões em edíficios de encomenda pública.
[editar] Cinema neo-realista italiano
O marco inicial do neo-realismo é em 1944-1945 com o lançamento do filme de Rosselini Romma Città Aperta, rodado logo após a libertação de Roma. A "paternidade do termo" é de dúbia possibilidade: a primeira diz que seria de Mario Serandrei quando chamou de "neo-realístico" o filme Ossessione , no qual havia sido montador; e a outra possibilidade atribui o termo a Umberto Barbaro, quando este usou o termo para resenhar o filme Quai des Brumes.
Mas apesar de Romma ter sido o início do movimento, o primeiro filme daqueles dias é o documentário Giorni di Gloria (de [Giuseppe de Santis], Marcello Pagliero, Mario Serandrei e Luchino Visconti), que traz cenas reais alternadas com cenas reconstituídas da ocupação nazi-fascista; porém este documentário foi projetado posteriormente a Romma.
O Neo-Realismo italiano, por características comuns entre as obras e por uma ideologia difundida entre seus realizadores, tanto para a estética quanto para a política, constitui um "estilo de época" do Cinema. Teve lugar (e tempo) na Itália do final da Segunda Grande Guerra, em processo de "libertação" do regime fascista, como veículo estético-ideológico da resistência. Hasteava a bandeira da representação objetiva da realidade social como forma de comprometimento político. Seu período mais produtivo (e significativo) ocorreu durante os anos de 1945 e 1948.
Apesar de haver um certo consenso sobre essas propriedades, não existe, para o Neo-Realismo, uma fronteira exata. Seguindo o paradigma observado na maior parte dos estilos estéticos da História da Arte e do Cinema, o nascimento dessa corrente aconteceu em passos graduais, levando um tempo até que se observasse o aparecimento de um filme genuinamente Neo-Realista. E, da mesma forma, sofreu uma decadência paulatina, sem um ponto delimitado de começo ou fim.
[editar] O neo-realismo como contraponto à estética fascista
Certamente, no entanto, não seria possível falar de Neo-Realismo na Itália antes da decadência do regime fascista, que vigorou de 1922 a 1945 e vestiu todo o país com a camisa negra de sua doutrina. Esta, porém, não se limitava apenas a transformações de aspecto político, mas tinha também um projeto estético abrangente e definido. O Fascismo, muito além de puro fenômeno político, trazia consigo uma ideologia estética profundamente fincada em seus valores morais e sociais — e esta era, aliás, uma característica comum às manifestações de ideologias totalitárias.
Entre as várias propriedades dessa ideologia estética, estava a representação da sociedade por meio de uma ótica moralista/positivista, muito mais adequada à legitimação do regime do que à realidade das massas. Conseqüência direta dessa visão de mundo foi a produção em larga escala (estimulada e apreciada pelo governo) de filmes melodramáticos, épicos, romanceados, construindo na tela uma representação um tanto distante da vida cotidiana da sociedade italiana.
Um dos objetivos da geração Neo-Realista, posteriormente, seria a maior aproximação daquilo que criam ser a realidade do povo, para contrapor a essa "falsa imagem" da sociedade; os Neo-Realistas queriam Apresentá-la, e não REpresentá-la, como antes.
O que se pretende colocar na tela, para essa vanguarda, é um registro da vida das pessoas, no momento atual, contemporâneo à produção. Não interessava mais falar de tempos passados ou das tragédias das madames. O cineasta Neo-Realista filmará a favela, a vila de pescadores, as ruas cheias de gente no centro da cidade. A preocupação é com o "hic et nunc", num dos momentos mais críticos da História da Itália, e os jovens diretores acreditam no Cinema como forma de expor os problemas — para que sejam resolvidos.
Esse comprometimento com o "retrato da verdade" faz com que a geração que desponta a partir da invasão aliada em 1944/45 seja identificada como um movimento que os críticos Pietrangeli e Barbaro apelidam de Verismo (dedicado à verità). O Neo-Realismo é percebido e nomeado enquanto os filmes estão sendo feitos, ou seja, o estilo é identificado no mesmo momento de sua produção artística, e não posteriormente. No mínimo, isso significa que a Itália notou que algo de diferente estava sendo feito.
[editar] Principais autores e obras
Foi Luchino Visconti, com seu filme "Ossessione", de 1942, que lançou a primeira pá na construção desse movimento. Adaptando o romance "The Postman Always Rings Twice" (O Carteiro Toca Sempre Duas Vezes), do norte-americano James Cain, o diretor conseguiu retratar um país de contrastes que destoava da representação estilizada então dominante. Isso chocou os censores que, mesmo tendo aprovado anteriormente o roteiro, engavetaram a produção, até que o próprio Duce tivesse visto — e apreciado!
Roberto Rossellini, ainda durante a guerra — e, mais especificamente, no próprio campo de batalha — filma "Roma, Città Aperta" (1945), inserindo registros de combates verdadeiros junto à dramatização. Rodado clandestinamente, como a própria resistência dos Partisans, o filme situa-se num limiar entre encenação e documento histórico. E, ainda, peça de propaganda contra o regime agonizante. No ano seguinte, realiza "Paisà", cujos 6 episódios acompanham o trajeto dos "libertadores", do sul para o norte, retratando a convivência entre italianos e aliados estrangeiros (com pessoas atuando nos papéis delas mesmas), com seus conflitos e choques inevitáveis.
Em "Germania, Anno Zero" (1947), Rosselini visita a outra nação derrotada (e destroçada), a Alemanha, para mostrar uma realidade muito semelhante à da Itália. Submetidos novamente a uma ocupação, a restrições e a toda sorte de privações, os alemães violam os valores éticos mais primários por causa da fome, e Rossellini espelha neles a própria crise italiana. Além desses, a "base teórica" do movimento deveu muito ainda a Cesare Zavattini, que adaptou e roteirizou vários dos filmes ("I Bambini Ci Guardano", 1944) ("Sciuscià", 1946) ("Umberto D.", 1952) e ao produtor/diretor Giuseppe Amato, que saiu da produção ativa do período fascista para patrocinar as experiências ousadas da geração Neo-Realista.
Mas é com Vittorio DeSica que o Neo-Realismo produz uma das obras mais expressivas e emblemáticas de sua estética. O filme "Ladri di Biciclette" (1948) contém os principais elementos do filme Neo-Realista: a temática dos problemas sociais, a criança, os atores iniciantes ou desconhecidos, a ambientação in loco, a ausência de apelos técnicos ou dramatúrgicos e ao mesmo tempo um intenso conflito na trama (também escrita por Zavattini). Pela história do homem recém-empregado que tem seu instrumento de trabalho — a bicicleta — roubado, e assim ameaçado de perder o emprego, DeSica emoldura um quadro da classe trabalhadora urbana de então, assombrada pelo desemprego.
[editar] Ramificação e decadência
O mesmo ano de 1948 vê o aparecimento de vertentes distintas do mesmo movimento, que de certo modo significam estágios paralelos de desenvolvimento. Com "La Terra Trema" (1948, Visconti), pescadores da Sicília interpretam eles próprios, num filme rodado de maneira semi-documental e crua (Francesco Rosi e Franco Zeffirelli são os assistentes de direção), mais, talvez, do que "Ladri di Biciclette". Mas o apelativo "Riso Amaro", de Giuseppe DeSantis, constitui-se em outra face do movimento, ainda que se situe, pelos motivos comentados no primeiro parágrafo, dentro da maleável fronteira do "estilo" Neo-Realista. Para muitos críticos, porém, observa-se nesse filme o início do declínio do movimento. A estética engajada comprometida em desnudar as contradições da sociedade acaba sujeita à "exploração comercial" e provoca "o começo do fim do movimento que havia trazido ao cinema italiano a vitalidade artística e significação social" (Ephraim Katz).
A tal "geração" Neo-Realista, então — que ainda teve diretores menos significativos como Pietro Germi, Aldo Vergano, Alberto Lattuada, Luciano Emmer, Renato Castellani e Luigi Zampa —, acaba sucumbindo às circunstâncias. Na década de 1950, o cenário já é outro, a crise econômica e social diminui, a televisão ganha cada vez mais espaço como mídia e, para enfrentá-la, os produtores passam a investir no cinema do puro entretenimento escapista. Um pouco mais tarde, Federico Fellini e Michelangelo Antonioni (que tinham participado da mesma geração do Neo-Realismo) vão se afastar do "Verismo" ortodoxo e apelar à farsa exuberante ou ao drama existencial para redesenhar a Itália e suas novas questões.
[editar] Cinema neo-realista português
[editar] O legado do neo-realismo
Terminado, mas não "eliminado", o Neo-Realismo certamente não desaparece, pois deixa marcas e um legado que perdura até o cinema contemporâneo, e em vários países. É ele que inaugura, por exemplo, o uso massivo e quase onipresente de crianças, como em "I Bambini Ci Guardano" e "Ladri di Biciclette", pois a ótica infatil reproduziria uma certa inocência na crueza da análise social, sem a censura instintiva e auto-imposta dos adultos. Capturar a realidade sem disfarçá-la, desnudá-la, com cenários naturais e atores locais, velhinhos, trabalhadores humildes, "pessoas do povo" — esse era o espírito, numa reação, sem dúvida, à cosmética excessiva predominante no cinema do período fascista.
O Verismo havia decidido abrir mão dos floreios e ir direto ao ponto. Mas como "Riso Amaro", no entanto, aponta para um retorno ao melodrama e ao estrelismo glamouroso, o movimento é posto em xeque. O "uso" (indevido?) de uma estética, construída com firmes propósitos contestadores, para uma indústria cultural que, no final das contas, servia à manutenção do status quo, decepciona alguns dos mais engajados. Afinal, "a batalha foi perdida"? O Cinema submeteu-se à indústria? Não valeu o esforço de tentar despir a sociedade?
O Cinema, como instrumento de mobilização, foi percebido logo de início por vários realizadores (e forças políticas). Bastaria citar o uso que os soviéticos e os nazistas fizeram dos filmes para corroborar essa afirmação. É discutível, porém, até que ponto esse potencial de influência cultural/ideológica se manteve, se reduziu ou se ampliou a partir da introdução da televisão como meio de comunicação de massa, da década de 1950 em diante.
Talvez houvesse, entre os cineastas Neo-Realistas, um alto grau de ingenuidade em acreditar que a simples exposição das mazelas sociais fosse mobilizar a sociedade italiana para uma reforma radical espontânea. Não basta conhecer um problema para querer (e poder) resolvê-lo. Ao mesmo tempo, não há como negar, por exemplo, a alta penetração que as esquerdas críticas (desalinhadas com Moscou) tiveram entre os trabalhadores italianos no pós-Guerra, e é impossível desconectar esse fato, nessa época, do engajamento crítico da arte e da cultura (não só o cinema Neo-Realista).
Os realizadores de um filme, quando inseridos numa indústria cultural que serve ao modo de produção capitalista, podem não perceber seu papel de "doutrinadores" (ou agentes de um doutrinamento) ou, se percebem, não combatem o sistema ao qual pertencem. Por outro lado, é mais do que claro que o cineasta que identifica esse sistema e decide "nadar contra a correnteza" tem noção exata do seu alcance e é consciente da sua capacidade de mobilizar através da exposição pública do seu trabalho. Ele é, ao mesmo tempo, artista e comunicador, e o produto audiovisual é tanto seu suporte artístico como sua mídia. Analogamente, o cineasta e o designer gráfico são ambos, em última análise, comunicadores visuais, convergindo nos fins e divergindo nos meios (o suporte).
Toda forma de arte pressupõe sua materialização em obras de arte. Se o Cinema é a "Sétima Arte", o filme é a obra — material — à qual se aplicam todas as "leis" do universo da Arte. Entendendo uma obra como reflexo inevitável das condições em que é produzido (seu tempo, seu local, seu autor, seu público...), é possível deduzir dela a visão de mundo predominante em sua origem. O filme Neo-Realista, assim, é uma forma de encarar a realidade que atendia ao momento e espaço da Itália arrasada do pós-Guerra, influenciada, em muito, por uma ótica marxista e opositora da artificialidade da cultura de massa.