O Canto da Cotovia
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Faleceu em São Paulo, no dia 30 de dezembro, o encenador, cenógrafo e pensador teatral Gianni Ratto. [Clique aqui para ver a Galeria de imagens!] A relação de Gianni Ratto com o Brasil teve início em 1953, quando a atriz Maria Della Costa e seu marido, Sandro Polônio, foram à Itália com o objetivo de contratar um encenador para o espetáculo que inauguraria o seu teatro, em São Paulo.
A atitude do casal era coerente com o panorama paulista da época, dominado pelo TBC-Teatro Brasileiro de Comédia, onde pontificavam os diretores italianos Luciano Salce, Adolfo Celi, Flamínio Bollini Cerri, “importados” por Franco Zampari com o fim de implementar um modelo de teatro europeu no TBC. Outro italiano, Ruggero Jacobbi, que estava no Brasil desde 1946, e o polonês Ziembinski também se incorporaram à equipe do teatro da Rua Major Diogo, que consolidou a modernização da cena brasileira.
Nesses primeiros tempos, só se acreditava nos diretores estrangeiros. Por isso Maria Della Costa e o marido (que era o produtor dos seus espetáculos) viajaram em busca de encenador capaz de conferir ao teatro em vias de inauguração e ao repertório da companhia o mesmo status artístico do TBC.
Chegando à Itália ouviram falar do Gianni Ratto, que muitos consideravam um dos quatro maiores cenógrafos do mundo. E que era também encenador. Foram procurá-lo em Milão e ele aceitou o convite para vir ao Brasil dirigir a Cia. Maria Della Costa.
Nascido em Milão, no ano de 1916, Gianni esteve na Guerra, mas desertou do exército fascista durante batalhas na Grécia.
Embora desde muito jovem tivesse experiências no teatro, inclusive como ator, somente depois da guerra iniciou de fato a carreira. Em 1946 participou, junto com Giorgio Strehler e Paolo Grassi, da fundação do Piccolo Teatro de Milão, onde desenvolveu trabalhos junto a grandes encenadores, a começar por Giorgio Strehler. Logo seu trabalho cenográfico conquistou imensa fama e veio o contrato com o Scalla de Milão, para o cargo de vice-diretor técnico. Nessa nova casa, trabalhou ao lado de deuses da ópera, como Igor Stravinsky e Maria Callas.
Apesar do prestígio que desfrutava em sua terra, como em toda a Europa, Gianni Ratto aceitou o convite para vir ao Brasil dirigir uma companhia de formação recente. E aqui chegou em 1954. Foi ele mesmo quem escolheu o texto: “O Canto da Cotovia”, de Jean Anouilh. No ano seguinte, pela primeira vez dirigiu texto de autor brasileiro: “A Moratória”, de Jorge Andrade. A essa altura, já havia tomado a decisão de permanecer no Brasil.
A exemplo de seu compatriota Ruggero Jacobbi, que sempre defendeu a formação de encenadores brasileiros e o incremento da dramaturgia nacional, como meios para criar de fato um teatro de expressão brasileira, também Gianni Ratto passou a defender a evolução do teatro nacional com características próprias e não preso ao modelo europeu imposto pelo TBC.
Em função dessa postura, juntou-se a Fernanda Montenegro, Fernando Torres, Sérgio Brito e outros atores na fundação do Teatro dos Sete, no Rio de Janeiro, estreando em 1959 com “O Mambembe”, de Artur Azevedo. Mais tarde, em sintonia com as correntes contrárias ao regime militar imposto aos brasileiros em 1964, vinculou-se a grupos de esquerda. Nesse período dirigiu para o Grupo Opinião um espetáculo histórico: “Se Correr o Bicho Pega, Se Ficar o Bicho Come”, de Oduvaldo Vianna Filho e Ferreira Gullar, com elenco que incluía nomes como Odete Lara, Fregolente, Hugo Carvana, Antônio Pitanga, Jofre Soares, Agildo Ribeiro (1966). Mais tarde, em 1975, dirige outro espetáculo histórico: “Gota D´Água”, de Chico Buarque e Paulo Pontes, protagonizado por Bibi Ferreira.
Como um brasileiro consciente, Gianni Ratto entrou em depressão com situações sócio-políticas. Teve uma época que preferiu morar em uma praia isolada, no litoral do Rio de Janeiro. Mas sempre esteve presente nos grandes momentos do teatro brasileiro. Sempre ao lado dos jovens criadores, orientando, trabalhando junto, estimulando os novos talentos.
Em 1996 publicou pela Hucitec seu livro de memórias “A Mochila do Mascate”. Três anos depois, a Editora SENAC publicou o seu “Antitratado de Cenografia – Variações Sobre o Mesmo Tema”. São duas obras importantes, não só pelos conteúdos de memória e de história da cenografia, mas pelas reflexões do autor, para quem era imprescindível “recuperar o valor da palavra num teatro de idéias e não de efeitos”. A Editora Códex publicou seus dois últimos livros, quase de ficção, as “Crônicas Improváveis” (2002) e “Noturnos” (2005).
Em 2004, comemorando os 50 anos da chegada de Gianni Ratto ao Brasil, a Apetesp (Associação dos Produtores Teatrais de São Paulo) outorgou-lhe um prêmio especial, como reconhecimento pela sua grande contribuição ao desenvolvimento do teatro paulista. No mesmo ano, a Câmara Municipal de São Paulo concedeu-lhe o título de “cidadão paulistano” – o que de fato Gianni foi, desde o memento em que chegou a esta cidade até o fim de sua vida, que ocorreu no dia 30 de dezembro de 2005.
