José G. Merquior
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Se tem algum conhecimento sobre este assunto, por favor verifique a consistência e o rigor deste artigo.
José Guilherme Merquior (Rio de Janeiro, Brasil, 22 de Abril 1941 - 1991) foi um diplomata profissional brasileiro, um professor universitário, um erudito e um pensador, definindo-se politicamente como um social-liberal. Um escritor prolífico, foi membro da Academia Brasileira de Letras. Ernest Gellner foi orientador da sua tese de doutoramento em sociologia pela London School of Economics (o seu terceiro doutoramento).
Índice |
[editar] Obituário
Obituário de José Guilherme Merquior por Ernest Gellner, tradução do inglês
José Merquior foi um diplomata profissional brasileiro, um professor universitário, um erudito e um pensador, e um escritor prolífico.
Seria fácil dizer que ele era o académico que se distingue entre diplomatas e o diplomata que se distingue entre os académicos. Mas havia nele muito mais do que isso. A sua erudição era de facto extraordinária: a sua grande paixão era a história das ideias e o desenvolvimento do pensamento acerca do homem e da sociedade, e nestes campos ele fez questão de se assegurar que tinha lido e compreendido tudo. É de duvidar que algo lhe tenha escapado. Poucos académicos igualam-no pela amplitude do seu conhecimento. À medida que ele se movia de um posto diplomático para outro - Paris, Bona, Londres, Montevideu, Cidade do México, Paris outra vez - os problemas logísticos de transportar a sua soberba biblioteca devem ter drenado os recursos mesmo que tão abundantes como os do ministério de negócios estrangeiros. A biblioteca de José não servia de montra mas sim para ser usada. A sua alma estava inquestionavelmente localizada ali.
Quando ele chegou a seu posto em Londres, o Brasil ainda era uma ditadura militar (as personalidades pareciam ser conhecidas geralmente pela função que desempenhavam e pelo seu ranking militar), e ao mesmo tempo a américa latina era ainda a próxima terra prometida para a esquerda romântica internacional, antecipando com esperança uma nova onda de revoluções ao estilo Che Guevara. . .
Superficialmente, isto poderá parecer paradoxal mas é um facto. Ele tinha chegado da "casa quente" das aulas de Lévi-Strauss em Paris - onde caracteristicamente ele obtivera o seu segundo doutoramento - e rapidamente preparava-se para começar um terceiro, procurando um mundo similar em londres. Com Levi-Strauss era mais o fogo-de-artifício que o tinha atraido do que a etnografia. Talvez Londres não oferecesse um equivalente e logo Merquior criou o seu. As suas festas fulminavam de humor filosoficamente bem informado.
Aqueles que o conheceram apenas superficialmente podem tê-lo ocasionalmente sub-estimado. Podem ter visto nele um espécime particularmente charmante do eixo cultural Rio-Paris, no qual filhos das melhores famílias brasileiras submergiam na última onda parisiense.
Alguns dos seus escritos da juventude suportam este tipo de sentença: ele tinha lido tudo, sumarizava com elegância e passados três parágrafos despedia-se com um aforismo e prosseguia para lidar com a próxima vítima, afectuosamente dissecada, muito como numa festa alguém apresenta um convidado com uma magnânime, gentil mas anódina descrição antes de se virar para o próximo convidado que se aproxima.
Mas há mais, muito mais em José Merquior do que isso. Por debaixo do elegante diplomata intelectual ou intelectual diplomata havia um pensador extremamente sério e penetrante, muito dado a sóbrias e impiedosas dissecações das ilusões da sua época e do seu meio. Particularmente memorável, por exemplo, foi um ensaio contendo um brutal ajuste de contas com a Teoria da dependência, outrora um diagnóstico muito apreciado das doenças da américa latina e de outras partes do mundo.
Ele comentou que esta teoria tinha coração mas era uma perpetuação em termos económicos e macro-sociológicos, da auto-comiseração colectiva latino-americana, em nova versão que simplesmente substitui os Conquistadores pelo capital norte-americano. O seu trabalho sobre o neo-marxismo, que permanece, teve uma semelhante qualidade.
. .
Aqui encontramos a marca indelével do seu trabalho: a preocupação de compreender e assistir as forças que poderão apoiar uma sociedade estável, liberal, participatória no mundo em vias de desenvolvimento, na qual bens e valores morais estejam melhor distribuidos.
. .
O seu posto na embaixada brasileira em londres coincidiu com a "abertura", a transformação de um regime autoritário e paternalista num regime que se rende à liberdade, ao estado de direito e à ortodoxia económica. Enquanto que o embaixador brasileiro se preocupava especialmente com o lado económico, Merquior orquestrava os aspectos culturais, políticos e ideológicos. A consequência foram uma série de conferências e seminários que possibilitaram que os intelectuais que ele conheceu tão bem na Europa se pudessem encontrar, para variar, à beira de uma piscina em Brasília ou numa praia no Rio, em vez de uma festa no West End. Eles incluiam desde conservadores até aos líderes do neo-marxismo e receberam uma grande audiência, e as operações largamente publicitadas ajudaram a tornar claro que a "abertura" era real.
Como embaixador do Brasil no México, ele representava um dos dois países com as maiores dívidas públicas mundiais no outro, uma tarefa que seguramente não é trivial (apesar de a não ter impedido nem diminuido o fluxo de sua escrita e leitura). Foi membro da academia brasileira,...
. .
Deixa uma viúva cujo grande charme, humor irónico e saudável senso-comum foram inquestionavelmente um grande suporte do seu trabalho e seu pensamento.
[editar] Ver também
[editar] Bibliografia em português:
- 1963: Poesia do Brasil, (antologia com Manuel Bandeira)
- 1965: Razão do Poema
- 1969: Arte e Sociedade em Marcuse, Adorno e Benjamin
- 1972: A astúcia da mímese
- 1972: Saudades do Carnaval
- 1974: Formalismo e tradição moderna
- 1975: O estruturalismo dos pobres e outras questões
- 1975: A estética de Lévi-Strauss
- 1976: Verso e universo de Drummond
- 1977: De Anchieta a Euclides
- 1980: O fantasma romântico e outros ensaios
- 1981: As idéias e as formas
- 1982: A natureza do processo
- 1983: O argumento liberal
- 1983: O elixir do Apocalipse
- 1985: Michel Foucault ou O niilismo da cátedra
- 1987: O marxismo ocidental
- 1990: Crítica
- 1990: Rousseau e Weber: dois estudos sobre a teoria da legitimidade
- 1991: De Praga a Paris: uma crítica do estruturalismo e do pensamento pós-estruturalista
- 1991: O liberalismo, antigo e moderno
- 1997: O véu e a máscara
[editar] Bibliografia em inglês:
- 1979: The veil and the mask: Essays on culture and ideology
- 1980: Rousseau and Weber: Two studies in the theory of legitimacy
- 1987: From Prague to Paris: A Critique of Structuralist and Post-Structuralist Thought
- 1991: Western Marxism
- 1991: Liberalism, Old and New
- 1991: Foucault
[editar] Bibliografia em espanhol:
- 2005: El Comportamiento de Las Musas: Ensayos sobre literatura brasileña y portuguesa. 1964-1989
[editar] Referências e apontadores externos
- Roberto Campos conheceu José Merquior e Ernest Gellner e conta aqui algumas anedotas dos encontros em Londres, numa "crespa noite de inverno londrino". - "Eu tinha convidado para um jantar na embaixada brasileira, ao fim dos anos 70, o grande filósofo liberal francês Raymond Aron e dois sociólogos radicados na Inglaterra, Ralf Dahrendorf e Ernest Gellner, este último professor de José Guilherme Merquior, meu conselheiro de embaixada"... (artigo Leis da política (19/12/1999))