Jacquerie
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A Jacquerie foi uma revolta camponesa que ocorreu no Norte de França entre 28 de Maio e 24 de Junho de 1358, durante a Guerra dos Cem Anos. A designação deriva de Jacques Bonhomme, o nome com conotação paternalista dado genericamente a um camponês da região. A revolta iniciou-se de forma espontânea, reflectindo a sensação de desespero em que viviam as camadas mais pobres da sociedade, depois da Peste Negra, numa altura em que França se encontrava num vazio de poder e à mercê das companhias livres, bandos de mercenários renegados que vagueavam pelo país. As elites acabaram por esmagar a revolta menos de um mês depois, matando no processo cerca de 20,000 homens, o que viria a contribuir para o agravamento das condições demográficas do país.
A palavra "Jacquerie" passou a ser sinônimo de rebelião camponesa, e por séculos a nobreza viveu sob o temor de uma repetição do episódio. Na memória popular, a Jacquerie é vista como uma série de massacres feitos pelos camponeses contra a nobreza. Na realidade, porém, os servos rebeldes estavam mais preocupados com a pilhagem, a comida e a bebida dos castelos do que com o assassinato de seus ocupantes. Frequentemente, se esquece que padres, artesãos e pequenos mercadores ocasionalmente se juntaram aos camponeses durante estas rebeliões.
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[editar] Antecedentes
A situação política em França em meados do século XIV era política e socialmente caótica. O país fora gravemente afectado pela epidemia de Peste Negra que deflagrara em 1348 e custara a vida de cerca de um terço da população. A doença atacou em todas as classes sociais e dizimou os camponeses, comprometendo a produção agrícola, o que por sua vez causou fome e aumento de preços. Em 1356, ainda na ressaca desta epidemia, França perdeu a Batalha de Poitiers frente a Inglaterra de forma desastrosa. O condestável de França e seus dois marechais, bem como uma fatia importante da nobreza, perderam a vida no confronto, mas pior, o rei João II, o Bom, seu filho mais novo Filipe de Valois e muitos outros foram feitos prisioneiros e levados pelo Príncipe Negro. Todos estes personagens importantes deviam pagar um resgate pela sua libertação. O resgate do rei era uma fortuna que arruinava o país. Para além do peso económico, a falta do soberano lançou o país num vazio de poder, entregue à luta entre Carlos, o Delfim, herdeiro de João II e a burguesia de influência crescente. Para além de todos os problemas internos, o campo era assolado por bandos de mercenários, renegados e expropriados que pilhavam e devastavam aldeias e populações. A protecção dos camponeses de malfeitores era uma responsabilidade do senhor nobre que detinha as terras, mas nesta altura a nobreza estava igualmente despopulada devido à peste, às mortes em combate e à ruína devido aos impostos e resgates, sendo incapaz de prestar o auxílio necessário.
[editar] A Jacquerie
Ressentidos contra a falta de protecção e desencantados com o estatuto do nobre depois das derrotas humilhantes de Crécy e Poitiers, os camponeses revoltaram-se contra a classe dominante. A rebelião começou a 28 de Maio de 1358 na aldeia de St.Leu-sur-Oise, depois de uma reunião de camponeses. Os ânimos exaltaram-se, a indignação contra a classe nobre subiu de tom e os homens reuniram as armas que podiam e invadiram a casa do senhor local. A família foi assassinada e a propriedade incendiada. A violência propagou-se às aldeias vizinhas e dias depois o motim era generalizado, envolvendo milhares de camponeses em fúria. O cronista Jean Froissart registou mais de 150 propriedades destruídas nas regiões de Coucy, Soissons, Amiens e Laon sem que houvesse intervenção contrária aos camponeses. Em vez de reagir, os senhores locais fugiram para as cidades próximas com as famílias, abandonando as suas casas e bens à pilhagem. O clero foi também afectado e alguns mosteiros e igrejas queimados.
No meio da anarquia que caracterizava o movimento, surgiu Guillaume Cale, um homem da Picardia com carisma e capacidade de liderança suficiente para influenciar os seus pares. Cale organizou um conselho e procurou estabelecer uma hierarquia militar nas hordas de camponeses, organizando logística e batalhões militares. Adoptou ainda o grito de guerra Montjoie et St. Denis!, o grito do rei, para realçar o facto de que os Jacques não estavam contra a casa real, mas sim contra os nobres. Cale conseguiu ainda o apoio de várias cidades para a causa e a simpatia de vários sectores da burguesia, com alguns artesãos e comerciantes a juntarem-se pessoalmente à causa. De entre os apoiantes da revolta contava-se Etienne Marcel, Preboste de Paris e líder da oposição ao partido realista do Delfim Carlos.
Apesar do comando de Guillaume Cale e seus capitães, a massa de camponeses em revolta não estava unificada em nenhum ideal comum, para além da manifestação de desagrado. É incerto se entre os líderes da revolta havia planos ou não para uma mudança fundamenta na organização política.
A 9 de Junho, a horda de camponeses de cerca de 9000 homens dirigiu-se para a cidade de Meaux onde se encontrava a família real, incluindo o Delfim e a mulher Joana de Bourbon, as filhas do casal e inúmeras senhoras nobres que haviam procurado protecção junto do regente. Os dois líderes da cidade juraram "defender a honra" das damas presentes (ou seja, impedir que fossem estupradas pelos camponeses) mas não conseguiram oferecer resistência à ocupação da cidade pelos camponeses. A situação tornava-se mais desesperadora a cada dia e nem Cale tinha controlo sobre os seus homens.
É nesta altura que surgem o Captal de Buch e Gastão Febo, Conde de Foix, dois cavaleiros regressados de uma campanha na Prússia. Nenhum dos dois homens devia lealdade à casa de Valois, mas a ideia de inúmeras damas em perigo de estupro foi suficiente para entusiasmar-lhes o espírito cavalheiresco e tomarem a decisão de rumar a Meaux com os seus exércitos. Buch e Foix entraram na cidade com 120 homens e ocuparam a ponte que conduzia à cidadela. A horda de camponeses tentou forçar a entrada, mas a ponte impedia que fizessem uso da sua enorme superioridade numérica. O resultado foi a morte de centenas de Jacques e um dia de glória para os cavaleiros defensores. O evento motivou ainda o início de uma resposta concertada da nobreza contra a Jacquerie. Em breve foi pedida ajuda militar aos condados vizinhos da Flandres e Hainaut e ao Ducado de Brabante.
De entre os nobres que responderam à chamada para dominar a Jacquerie encontrava-se o Rei Carlos II de Navarra, um homem conflituoso e envolvido há anos em confrontos diplomáticos com a coroa de França. A Carlos II interessava resolver a situação, não só porque isto lhe traria dividendos políticos, mas porque era Conde de Evreux, um dos territórios atingidos. A 10 de Junho o exército de Carlos II aproximou-se dos Jacques. Cale, que comandava esta horda, ordenou a retirada para Paris, mas os camponeses recusaram-se a obedecer. Os dois exércitos encontraram-se em Clermont e Cale ordenou formação para batalha, organizando as suas tropas em três batalhões e dispondo os archeiros numa posição defensiva. Surpreendido pela resistência organizada, Carlos II decidiu mudar de táctica e convidou Cale para negociações. O líder camponês aceitou, pensando que iria ser tratado com o respeito que o ideal cavalheiresco concedia a um inimigo. Mas para Carlos II, Cale era apenas um camponês e como tal não lhe eram aplicados os princípios de honra. Guillaume Cale foi preso e executado e seus homens perseguidos e massacrados.
Entretanto no Norte, os Jacques foram dominados pelo exército comandado por Enguerrand VII, Senhor de Coucy. A 24 de Junho mais de 20,000 camponeses haviam sido mortos e a região estava devastada.
[editar] Consequências
Depois da peste, fome e banditismo que tinham assolado a região, o principal tributo da repressão da Jacquerie foi em termos demográficos. Os campos férteis do Norte de França perderam ainda mais mãos para os trabalhar, o que resultou em mais fome e pobreza. A classe camponesa não foi a única afectada: sem homens para trabalhar as suas terras os próprios nobres acabariam por perder muito do seu rendimento. Em Paris, a liderança de Etienne Marcel ficou seriamente comprometida pelo seu apoio à revolta. O preboste acabou assassinado pouco tempo depois, o que consolidou a posição do Delfim como líder nacional.
[editar] Referência
- A Distant Mirror - The calamitous 14th century, por Barbara Tuchman (cap. VII)
[editar] Ver também
- Revolta camponesa de 1381 - 23 anos depois, na Inglaterra, uma revolta dos caponeses em prol do fim da servidão e a favor da melhoria das condições de vida dos camponeses, também com uma componente de revolta religiosa associada ao movimento dos Lollard.
- Guerra dos camponeses - Menos de 200 anos depois, na actual Alemanha, uma outra revolta de camponeses, desta vez no contexto da Reforma protestante. Martinho Lutero acabaria no entanto por se distanciar dos revoltosos.
- Feudalismo
- Stadtluft macht frei