Kemal Atatürk
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Mustafa Kemal, o Atatürk, (Tessalónica, 12 de Março de 1881 — Istambul, 10 de Novembro de 1938) foi soldado e estadista, fundador e primeiro presidente da República da Turquia. Nasceu na cidade otomana de Selânik (hoje Tessalónica, na Grécia). De acordo com uma tradição turca foi-lhe dado o nome único de Mustafa. Seu pai (Ali Rizá) era inspector alfandegário e morreu quando Mustafa era ainda uma criança.
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[editar] Início de carreira
Mustafa estudou numa escola secundária militar em Selânik, onde ele adquiriu o nome adicional de Kemal ("perfeição"), pelo seu professor de matemática, em reconhecimento ao seu brilho académico. Foi com o nome de Mustafa Kemal que entrou para a academia militar de Monastir, hoje Bitola, em 1895. Graduou-se como tenente em 1904 e foi enviado para Damasco. Em breve aderiu ali a uma sociedade secreta de oficiais progressivos-reformistas chamada "Vatan" (Pátria), tendo-se tornado um activo oponente do regime Otomano. Em 1907 foi enviado para Selânik e aderiu ali ao "Comité da União e Progresso", conhecido normalmente como os "Jovens Turcos".
Os Jovens Turcos apropriaram-se do poder ao Sultão Abdul Hamid II em 1908, e Kemal tornou-se então uma importante figura da liderança militar. Em 1911, rumou à província otomana da Líbia para tomar parte da sua defesa contra a invasão italiana. Durante a parte inicial das Guerras dos Balcãs, Kemal permaneceu na Líbia, impossibilitado de tomar parte no conflito. Mas, em Julho de 1913, regressou a Constantinopla e foi nomeado comandante das defesas Otomanas na área de Gallipoli, na costa da Trácia. Em 1914 foi nomeado adido militar em Sófia, em parte uma medida para o afastar da capital e suas intrigas políticas.
[editar] Comandante de Guerra
Quando o Império Otomano entrou na Primeira Guerra Mundial pelo lado da Alemanha, Kemal foi colocado em Rodosto (hoje Tekirdag), no Mar de Mármara. Sua área de comando incluiu a zona de Gallipoli novamente, e ele foi por isso o comandante Otomano que combatia as forças aliadas invasoras durante o desembarque de Gallipoli por forças Britânicas, Francesas e da ANZAC (Australia and New Zealand Army Corps - exército conjunto de Australianos e Neo-Zelandeses) em Abril de 1915. Foi aqui que Atatürk fez fama de comandante militar brilhante, apesar de ter sido acusado de esbanjar as vidas de muitos dos seus soldados, muitos dos quais morreram em ataques do "onda humana". No entanto, ele foi o primeiro e único comandante militar de origem Otomana a derrotar um exército ocidental, desde a época das Cruzadas, tendo-se tornado um herói nacional e recebido o título de Paxá (Comandante). O líder das forças dos aliados do outro lado da barricada era Winston Churchill, cuja carreira militar conheceu aqui uma nódoa que o afastou da vida pública até à Segunda Guerra Mundial.
Durante 1917 e 1918, Kemal Paxá foi destacado para a frente do Cáucaso, combatendo as forças russas com relativo sucesso, e depois para Hejaz, onde a revolta árabe contra o domínio Otomano estava em progresso. Diante das mazelas da guerra, tornou-se cada vez mais crítico em relação à incompetência do governo do Sultão na sua conduta militar e em relação ao domínio cultural e político do Império Otomano pelos alemães. Demitiu-se, mas concordou posteriormente regressar ao comando das forças otomanas na Palestina.
Em Outubro de 1918, os otomanos capitularam para os aliados e Kemal tornou-se um dos líderes do Partido Nacionalista, que tinha como bandeira, a política de defender os territórios de língua Turca nas zonas continentais do Império, ao mesmo tempo que concordava em se retirar de todos os territórios não Turcos sob tutela do império(onde a língua predominante não era a Turca).
O sentimento nacionalista turco foi sacudido pela ocupação grega de Izmir (Esmirna) em Maio de 1919, em concordância com o Tratado de Sèvres (este tratado foi assinado pelo Sultão sob a pressão dos aliados mas nunca seria ratificado pelo Parlamento turco).
[editar] Líder Nacionalista
O governo forçou Kemal a exilar-se na Anatólia oriental, mas este aproveitou a oportunidade para deixar a capital e fundar um movimento nacionalista turco com sede em Ancara. Em Abril de 1920, um Parlamento provisional em Ancara ofereceu a Kemal o título de Presidente da Assembleia Nacional. Esta instituição repudiava o governo do Sultão e o Tratado de Sevres.
Os gregos compreenderam a ameaça à sua posição na Anatólia Ocidental pelas forças de Kemal e avançaram em direção ao interior ao encontro dele. Após terem percorrido grande parte do caminho até Ancara, os gregos foram derrotados por Kemal e o seu tenente Ismet Pasha (mais tarde Ismet Inönü) nas Batalhas de Sakarya (Agosto de 1921) e Dumlupinar (Agosto de 1922). Em Setembro, as forças de Kemal tomaram Izmir. A vitória de Kemal na Guerra da Independência preservou a soberania da Turquia. O Tratado de Lausanne suplantou o Tratado de Sevres e a Turquia recuperou a totalidade da Anatólia e Trácia oriental do controle Grego.
[editar] Presidente da Turquia
A República da Turquia foi fundada a 29 de Outubro de 1923 e Kemal foi eleito como o primeiro presidente. Apesar de a democracia formal se ter estabelecido, Kemal era na prática um ditador, apesar de relativamente moderado. De qualquer forma, o seu pretígio era tal que na maioria dos anos 20, a oposição ao seu governo ter sido muito fraca. Kemal admirava alguns aspectos da União Soviética ou da Itália Fascista mas não era comunista nem fascista. A propriedade privada era protegida e encorajada e oponentes políticos não sofreram um destino pior do que o desterro para a província.
Por outro lado, Kemal era um nacionalista turco militante, determinado a criar um estado turco homogéneo. Por acordo com o governo grego, uma grande parte da minoria grega foi trocada pelos turcos da Grécia, ocorrendo o mesmo com a Bulgária. Os Curdos não foram perseguidos, mas Kemal insistia que eles eram na realidade apenas uma variedade de turcos e a sua língua e cultura foram desencorajadas.
[editar] As reformas de Atatürk
O legado mais duradouro de Kemal foi a sua campanha pela secularização e a ocidentalização que ele impôs a uma nação turca por vezes relutante. O Califado (a posição de liderança nominal na fé islâmica, detida pelos Sultões Otomanos), foi abolido em Março de 1924. O título de Paxá foi abolido, de modo que Kemal voltou a ser simplesmente Mustafa Kemal. As escolas teológicas foram fechadas, as leis da Charia foram substituídas por um código de lei baseado no da Suíça. O código penal italiano e o código comercial alemão foram também adoptados.
Num gesto particularmente caracterizador, Kemal passou a considerar o Fez (o chapéu otomano) como um símbolo de Feudalismo e baniu-o. Ele usava vestimentas em estilo ocidental, insistindo para que todos os turcos fizessem o mesmo.
O véu para mulheres foi banido e foram encorajadas a usar vestidos ocidentais e a participar no mercado de trabalho. Em 1928, o governo decretou que a caligrafia Árabe deveria ser substituída por um alfabeto latino modificado, que era mais fácil de aprender e de ensinar e que tornava a publicação mais fácil. Todos os cidadãos desde os 6 aos 40 anos de idade foram obrigados a frequentar a escola e aprender o novo alfabeto. A língua turca foi "purificada" pela remoção de muitas palavras do Árabe e do Pérsico e substituição por novas palavras turcas. Desde então a lingua arabe foi usada somente, para asuntos religiosos (islamicos), pois o alcorão é escrito em arabe.
A representação visual de formas humanas tinha sido banida durante os tempos do Império Otomano, de acordo com directivas da fé islâmica. Kemal abriu novas escolas para o ensino de arte (para homens e mulheres).
Atatürk também levantou a proibição islâmica do álcool e era apreciador da bebida nacional "raki" (e um grande apreciador, como mais tarde se descobriria). Em 1934 ele requereu que todos os turcos adoptassem o uso de Apelidos, como é normal no Ocidente. Ele adoptou o nome de Atatürk, significando "pai dos turcos."
Em 1931, a ideologia oficial do regime, Kemalismo, foi promulgada pelo partido republicano do povo (no poder), fundado e controlado por Kemal. Os seus seis princípios eram o republicanismo, o nacionalismo, populismo, estadismo, secularismo e o revolucionismo. Estes princípios vagos tornaram-se num envólucro cada vez mais precário do domínio pessoal de Kemal e durante os anos 30 do século XX, a oposição ao seu governo cresceu e organizou-se melhor. A oposição foi no entanto moderada, em parte pelo receio da União Soviética e Alemanha Nazista.
De acordo com o Cientista Político especializado nas sociedades islâmicas, Bassam Tibi, a principal fonte de inspiração ideológica para Atatürk e antes dele para os jovens turcos foi o sociólogo turco-curdo Ziya M. Gökalp, 1875-1924, que foi o principal responsável pela introdução na Turquia das ideias do positivismo francês tal como ele foi cunhado por Auguste Comte. No seu livro de 1994 "Aufbruch am Bosfurus" (Partida no Bósforo), citando uma frase de Richard Tupper, Bassam Tibi afirma que Atatürk pretendia não apenas separar a religião (o Islão) da política, ele pretendia retirar a base de poder ao Islão e subordiná-lo ao Estado. De acordo com esta interpretação, Atatürk pretendia substituir o Islão por uma "Religion Civil", e esta era o Kemalismo.
Atatürk deu à Turquia um novo prestígio internacional pelos seus feitos quer seja no campo militar como no político, coroados com a restauração em Julho de 1936 da soberania sobre os estreitos, de acordo com a Convenção de Montreaux. Apesar da natureza volúvel do seu domínio ter aumentado, Atatürk permaneceu popular na generalidade do povo turco quando morreu em 1938, por complicações devidas a uma cirrose do fígado, consequência dos seus hábitos de bebida de muitos anos.
[editar] Legado
O sucessor de Atatürk, Ismet Inönü, fomentou o culto póstumo de Atatürk, um legado que permanece até hoje, mesmo que com a introdução de um genuíno sistema democrático após a Segunda Guerra Mundial, o Partido Republicano do Povo tenha perdido o poder em 1946. A face de Atatürk e o seu nome podem ser hoje vistos por toda parte na Turquia. O seu retrato pode ser visto em todos os edifícios públicos, em todas as notas de banco turcas, ou mesmo nas casas de muitas famílias turcas. Ele é solenizado pelo Aeroporto Internacional Atatürk de Istambul, a Ponte Atatürk sobre o Chifre Dourado, o Estádio olímpico Ataturk e muitos outros memoriais por toda a Turquia.
Poucos países foram tão genuinamente e permanentemente alterados pela mão de um homem como a Turquia o foi por Atatürk. Ele admirou a União Soviética e a Itália Fascista, mas as suas reformas mostraram-se mais duradouras do que as mudanças revolucionárias daqueles regimes. Apesar de ser de uma natureza autoritária, ele foi suficientemente previdente para criar um sistema político que pudesse adaptar-se à introdução da democracia facilmente.
As suas reformas secularizadoras e ocidentalizadoras mostraram-se duráveis e deram à Turquia a paz interna e a relativa prosperidade económica ainda durante a sua vida. Mas o Kemalismo deixou também a Turquia com uma identidade dividida - europeizada mas não totalmente Europeia, alienada do mundo islâmico mas permanecendo um país muçulmano.
O legado de Atatürk sobreviveu também no exército turco, que se vê a si mesmo como um guardião do nacionalismo turco e do secularimo. Oficiais Kemalistas levaram avante golpes de estado em 1960 e 1980 em defesa do que viram como os princípios de Atatürk contra políticos corruptos, e mesmo hoje o governo islâmico moderado de Recep Tayyip Erdogan tem de ter cuidado em assuntos relativos a Chipre e ao Curdistão, por receio da ofensa do sentimento Kemalista no exército.
Ernest Gellner, no seu livro de 1994, "Encounters with Nacionalism", faz o seguinte comentário a propósito do caráter do exército turco: "Há uma piada antiga, julgo que será de Mark Twain, que dizia que deixar de fumar é fácil: ele já o tinha feito muitas vezes. A classe dos oficiais turcos pode afirmar ter demonstrado um idêntico compromisso com a democracia: ela restaurou-a tantas vezes".
[editar] Citações
"As regras e teorias de um velho sheik árabe chamado Maomé e as abstrusas interpretações de gerações de sujos e ignorantes padrecos fixaram a lei civil e penal da Turquia. Eles determinaram a forma da constituição, as mais pequenas acções e gestos do cidadão, a sua alimentação, as horas para levantar e dormir, tradições e hábitos e mesmo os mais íntimos pensamentos. O Islão, essa absurda teologia de um beduíno amoral, é um cadáver podre que envenena a nossa vida. A população da república turca, que reclama o direito a ser civilizada, tem de demonstrar a sua civilização através das suas ideias, sua mentalidade, através da sua vida familiar e seu modo de vida".
[editar] Ver também
- Jules Ferry, outro grande defensor da secularização do Estado e fundador da escola laica na França
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