Francisco Gomes da Silva
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Francisco Gomes da Silva, o Chalaça, era filho bastardo do Visconde de Vila Nova da Rainha e de Maria da Conceição Alves, aldeã pobre de 19 anos, que trabalhava como criada de quarto do Visconde. Por ele seduzida, a moça registrou a criança como "filho de pais incógnitos". Apesar de não assumi-lo, o Visconde o manteve junto de si, com todo o conforto, até o momento em que decidiu casar-se com a filha do conde de Resende.
Naturalmente, a noiva não queria saber de convivência com a "outra" sob o mesmo teto. Para contentá-la, o visconde teve de mandar sua infortunada amante para a África e fazer desaparecer o menino Francisco, que contava então oito anos. A solução encontrada foi engenhosa: o visconde pagou oito mil cruzados (bela soma na época) a um protegido, Antonio Gomes, para assumir a paternidade do menino e o registrar como filho legítimo. O pai "testa-de-ferro" ainda ganhou, por influência do visconde, um emprego público como ourives da casa real.
Quanto a Francisco, foi mandado para o seminário de Santarém, preparar-se para ser padre. Lá, aprendeu filosofia e latim, além de falar fluentemente francês, inglês, italiano e espanhol. Este preparo cultural em muito o ajudaria, aliás, na idade adulta.
Estava quase a ordenar-se sacerdote quando chegaram as notícias dos preparativos da fuga da corte portuguesa para o Brasil. Tinha 16 anos. Brigou com o reitor e com o padre-mestre de disciplina do seminário e viajou para Lisboa, decidido a participar dos acontecimentos. No caminho, foi preso por uma guarnição francesa e condenado como espião. Às vésperas de ser fuzilado, conseguiu por acaso evadir-se de forma espetacular, chegando ao cais de Lisboa na mesma manhã em que D. João VI e sua corte embarcavam para o Brasil.
De alguma forma conseguiu reencontrar o pai adotivo e introduzir-se nas embarcações. De condenado à morte, passou a membro da multidão de 15 mil lusitanos que desembarcaria no Rio de Janeiro em março de 1808.
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[editar] De volta ao Brasil
Já no Rio, o ourives Antonio Gomes estabeleceu-se na rua Direita (atual Primeiro de Março). Chalaça passou a auxiliá-lo, mas logo suas noitadas boêmias e desordeiras levaram-no a uma séria briga com o "pai". Saiu de casa e abriu uma tenda de barbeiro na rua do Piolho (atual rua da Carioca), onde trabalhava como dentista e sangrador, aplicando bichas (sanguessugas) e ventosas, segundo os princípios de medicina da época.
Em 1810 já se insinuara no palácio, obtendo a inclusão na lista de criados honorários do Paço. Um ano depois, era nomeado moço de reposteiro por D. João. Em 1812, aos 21 anos, já recebia algumas vantagens por sua atuação em "serviços reservados" prestados ao Príncipe Regente.
Considerando que a corte era um ninho de intrigas entre facções rivais que se espionavam mutuamente, compreende-se que já começava a desenvolver ali algumas das "qualidades" que o tornariam famoso mais tarde. Tanto que em 1816 já era juiz da balança da Casa da Moeda e logo tornava-se o amigo favorito do príncipe D. Pedro, que encontrou no Chalaça o companheiro ideal para farras e escapadas noturnas.
D. João temia sobremaneira as maquinações de sua esposa, D. Carlota Joaquina, razão pela qual mantinha-a sob discreta vigilância. O Chalaça logo teria papel destacado nesse jogo de espionagem familiar, o que lhe garantiu o ódio da "espanhola maldita". A esperta rainha esperava apenas uma chance para derrubar o bastardo insinuante.
E a chance veio em 1817, quando Chalaça cometeu seu maior erro: após denúncia de Carlota Joaquina, foi flagrado pelo próprio D. João numa sala do palácio em companhia da dama do Paço D. Eugênia de Castro, ambos nus e em atitude que não deixava dúvidas. D. João expulsou-o de seu serviço e baixou ordem de que o Chalaça deveria manter-se a uma distância mínima de dez léguas da corte.
E foi-se o Chalaça para Itaguaí, abrigar-se na casa de um vigário conhecido desde os tempos de Santarém, até que a intervenção de seu verdadeiro pai, o Visconde de Vila Nova, reabilitou-o junto a D. João.
A Rua Direita (atual Primeiro de Março) era a mais importante do Rio de Janeiro do início do século XIX. Neste ambiente social em mutação, onde soldados, escravos, comerciantes e fidalgos tentavam a sorte, havia espaço para as investidas de um aventureiro sem escrúpulos e intelectualmente bem dotado.
[editar] Chalaça, a sombra do imperador
A insistência de Chalaça em voltar para Portugal com D. João desagradou D. Pedro, que sentiu-se traído pelo companheiro de esbórnias. Mas D. João também não levou Chalaça em sua comitiva, deixando-o em má situação no Brasil. Só conseguiu reconquistar a amizade de D. Pedro em 1822, já muito perto dos acontecimentos que levariam à Independência. Chalaça acompanhou o príncipe a São Paulo como uma espécie de secretário particular, e tão bem desincumbiu-se de seu serviço que D. Pedro não queria mais prescindir deles. Por um lado, Chalaça era dono de caligrafia excelente, dominava várias línguas, escrevia com correção, tinha o pensamento organizado - era um virginiano, enfim, e com Saturno na 1, o perfeito administrador. Por outro lado, prestava também outros "servicinhos", como arregimentar belas mulheres. A mais fascinante de todas surge na vida de D. Pedro exatamente nesta viagem a São Paulo e se chamava Domitila de Castro, que mais tarde receberia o título de Marquesa de Santos.
É sabido que Domitila teve amores com D. Pedro. Pode ser provável também, conforme aponta Cipriano Barata (e nenhum outro autor) que Domitila e o Chalaça fossem amantes mancomunados para extrair do príncipe o maior lucro. Teria sido, enfim, um típico caso de ménage à trois. O fato é que, a partir da Independência, a influência do Chalaça junto ao imperador aumentou, o que se traduz em diversos títulos honoríficos e fortuna crescente.
Viveu durante muito tempo numa grande casa na avenida Maracanã que posteriormente serviu de residência oficial aos Ministros do Exército.
A lista de feitos do filho bastardo do Visconde de Vila Nova é imensa, dos quais destacamos alguns, todos envoltos numa certa certa névoa de imprecisão, já que o confidente do imperador jamais agia muito às claras:
- teria sido incentivador direto da Independência, o primeiro a compartilhar a intenção de D. Pedro em proclamá-la;
- foi ghost writer do imperador, que tinha pretensões literárias, escrevendo para ele discursos, textos para jornais e até mesmo artigos inteiros da Constituição de 1824;
- organizou uma espécie de gabinete particular, um "ministério paralelo" que influenciava importantes decisões do Império. Este suposto gabinete seria chamado pelos contemporâneos de Conselho Secreto, Camarilha Palaciana e Gavetário do chupa-chupa (!);
- mais tarde, após a morte da primeira esposa de Pedro I, a Imperatriz Leopoldina (uma mulher digna e eternamente traída), Chalaça foi a Paris pedir, em nome do Imperador, a mão da filha do rei Luís Filipe de Orléans, o rei cidadão - escolha que causou escândalo. Um Imperador destrambelhado se fazia representar por um enviado amoral e devasso.
Além do mais, era o alcoviteiro, o oportunista, o intermediário de negócios escusos, o financista, o conselheiro do imperador, a alma danada que contribuiu para a preservação no poder do Partido Português e para a neutralização de homens públicos como José Bonifácio.
Em 25 de abril de 1830 partiu para o reino de Nápoles como embaixador plenipotenciário do Império. A nomeação fora armada por seus adversários entre os quais não era figura menor o Marquês de Barbacena, que acabava de trazer sua nova esposa. Na verdade, D. Pedro I, entregue às delícias do segundo casamento em 1830 com a bela D. Amélia de Leuchtenberg, tomou a resolução de o fazer sair com o chamado ´Gabinete secreto´, onde figurava ainda outro alcoviteiro e valido, Rocha Pinto.
Chalaça jamais voltaria ao Brasil. Foi uma derrota temporária. A apreciação dos brasileiros sobre ele é que era corrompido e corruptor, pagando jornais como a Gazeta do Brasil para insultarem os políticos liberais, sem escrúpulos, recadeiro de seu amo junto de concubinas, insolente, antipático ao Brasil e aos brasileiros. Comenta Octavio Tarquinio de Sousa: «Mas não era o ignorante, o servandija que se quis fazer dele. Não lhe faltava, ao contrário, certa finura, certa manha no desempenho das incumbências que lhe cometiam; sabia escrever, redigia até com bastante propriedade de expressão. E foi sempre fiel ao imperador, antes e depois de sua desgraça.»
Na Europa, Chalaça escreveu três livros (dois deles destinados a denegrir a imagem de seu inimigo, o Marquês de Barbacena) e acaba sendo chamado a Portugal por D. Pedro, em 1833. Em 1834 morreu D. Pedro, deixando viúva sua segunda esposa, Dona Amélia. Quatro anos depois, em 1838, há o boato estapafúrdio de que o Chalaça casou-se secretamente com Dona Amélia em Berlim e ali passou a viver. Nenhum historiador sério, porém, admite tal hipótese.
[editar] Últimos dias
Em 1851, velho e doente, Chalaça faz a partilha de seus bens entre os filhos legítimos e ilegítimos. Mesmo após tantos anos de luxo e ostentação, com dezenas de amantes e viagens de recreio, ainda deixa uma fortuna colossal, quatro vezes maior, por exemplo, do que a de sua oportunista sócia, a Marquesa de Santos.
Na tarde de 30 de dezembro de 1852, o Chalaça morreu em Lisboa, no palácio dos Duques de Bragança, tendo seu filho e biógrafo registrado-lhe as últimas palavras durante a extrema-unção: "Padre José, eu amei demais as mulheres e o dinheiro..."
[editar] Representações na cultura
O Chalaça já foi retratado como personagem no cinema e na televisão, interpretado por Giorgio Lambertini no filme "O Grito do Ipiranga" (1917), Emiliano Queiroz no filme "Independência ou Morte" (1972), Edwin Luisi na novela "Marquesa de Santos" (1984), no filme "Carlota Joaquina - Princesa do Brazil" (1995) e Humberto Martins na minissérie "O Quinto dos Infernos" (2002).