História da Psiquiatria
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História da Psiquiatria
A psiquiatria provavelmente iniciou-se ao mesmo tempo que a história da própria medicina.
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[editar] Antiguidade
Antes da cutura grega, toda a medicina física e psíquica do homem primitivo se apoiava em concepções de natureza mágica e intuitiva, constituindo assim atividade de sacerdotes e feiticeiros. Entretanto, no antigo Egito já existiam médicos cirurgiões que operavam o cérebro e na antiga China, 30 séculos a.C. já existiam alguns conhecimentos de farmacologia e farmacoterapia. Em I Reis da Bíblia, Saul (rei), primeiro rei de Israel, sofria com estados depressivos, que atribuía ao fato de se encontrar possesso de um espírito maligno. Para combater essas crises, Saul pedia a David, seu sucessor, que lhe tocasse a harpa. Hipócrates(460-377 a.C.) considerava a epilepsia (Mal Sagrado) era uma enfermidade natural com origem no cérebro e que a maioria das doenças resultava de transtornos de humores. Um dos seus grandes méritos foi advogar a origem natural de todas as doenças e pôr em causa a concepção sobrenatural das doenças psíquicas. Hipócrates também classificou os tipos constitucionais humanos em quatro grande categorias: sanguíneos, melancólicos, coléricos e fleumáticos. Essa classificação se dava de acordo com o predomínio ou deficiência dos quatro humores existentes no organismo: sangue, linfa, bilis e fleuma. Além disso, Hipócrates também criou aforismos (conceitos clínicos) referentes ao delírio ("o delírio risonho não é tão perigoso quanto o meditabundo") e a três tipos de doenças mentais: a frenite (transtorno mental acompanhado de febre); a Mania (transtorno mental crônico, sem agitação ou febre) e a melancolia (transtorno mental crônico, sem agitação nem febre). A escola hipocrática considerava as doenças como "reações de adaptação" do organismo. Asclepíades também foi um médico grego que se destacou no campo da medicina mental. Viveu no século anterior a Cristo e era adepto do Atomismo (teoria que interpreta os diversos fenômenos psicológicos como combinações de elementos simples ou "átomos"). Asclepíades defendia que a alma não tinha localização (era o resultado da concentração de funções perceptivas) e de que as doeças mentais apareciam como consequencia de alterações das paixões. Galeno, no início da era cristã, defendeu que o sistema nervoso era o centro da sensação, motilidade e funções mentais e que os transtornos psíquicos tinham uma origem cerebral. Galeno foi ainda o primeiro autor a afirmar que a "histeria" não deveria ser considerada uma doença exclusiva da mulher. Erasístrato (355-280 a.C.), designado o pai da fisiologia e seu contemporâneo Herófilo (310-250 a.C.), considerado pai da anatomia dedicaram-se ao estudo dos nervos sensitivos e motores e produziram considerações importantes sobre os ventrículos cerebrais. Aurélio Cornélio Celso (25 a.C - 50 d.C) designou as doenças psíquicas por "insânias".
[editar] A psiquiatria e a Filosofia Grega
Aristóteles (384-322 a.C) pode ser considerado o verdadeiro pai da psicologia. Estudou as sensações e a inteligência, fez considerações sobre a imaginação, os juízos, o raciocínio e a memória e emitiu a opinião de que as operações psíquicas cpnstituíam funções dos órgãos materiais. Defendia a "metodologia da razão", fundou a "escola peripatética" que pode ser considerada uma das precursoras da psicoterapia e da psicopedagogia. Sócrates foi o primeiro a defender a supremacia da faculdade do "pensamento", que considerava a melhor via para se chegar ao "conhecimento de si próprio". Durante o período socrático, a filosofia transformou-se numa verdadeira antropologia (Nosce te ipsum, de Sócrates). Platão (427-347 a.C.) foi quem definiu o mundo das "idéias", conceito monista (corpo e natureza são manifestações da essência ideal) que dominou toda a filosofia do Ocidente. Com Platão e Aristóteles a filosofia entra no período "sistemático", com a elaboração de conceitos ( Teoria das Idéias, de Platão), por meio dos quais se pode chegar até as leis de associação (lógica formal de Aristóteles) e à definição do corpo científico do que viria a constituir mais tarde a ciência da psicologia. Devem-se à filosofia e cultura gregas muitos dos principais conhecimentos sobre a natureza dos fenômenos psicológicos. Daí a razão para muitas das designações e terminologia universalmente usadas em psiquiatria, tais como esquizofrenia, paranóia, oligofrenia. Daí também a razão pela qual a Psicanálise buscou muitos dos conceitos à civilização helênica, como por exemplo o Complexo de Édipo. Nos próximos séculos, porém, a psiquiatria novamente deixou-se contaminar por conceitos teológicos revestindo-se novamente de carater místico.
[editar] A difusão do Cristianismo e a Psiquiatria
Conforme o cristianismo difundia-se, paralelamente ampliava-se a superstição de que a doença psíquica representava manifestação da ira divina. Santo Agostinho de Hipona (354-430) dedicou-se a observação dos fenômenos da memória e da consciência. Entretanto, sua religiosidade não permitia que suas observações contrariassem a concepção sobrenatural das doenças psíquicas. Ele acreditava que o homem mantinha, desde o nascimento, uma "inclinação original para o pecado e para a concupiscência por um desejo de posse e de gozo". Esta observação influenciou a psicanálise e a própria fenomenologia. Na idade Média as doenças mentais voltam ao reino do sobrenatural e as terapêuticas consistem novamente em esconjuros, exorcismos para livrar o corpo dos espíritos malignos. O Malleus Maleficarum (O Martelo das Bruxas) é um livro escrito por dois dominicanos ( Heinrich Kraemer e James Sprenger em 1484 e é um manual de "pornografia e psicopatologia", em que se descreve a influência do demônio nas feiticeiras (através do desejo carnal), a forma de identificar a feitiçaria e o modo como as feiticeiras devem ser julgadas e punidas. Entretanto, contrariando esta superstição, surge na Europa no fim do primeiro milênio os primeiros "asilos" ou hospitais para doentes mentais. Os primeiros foram a colônia de Geel na Bélgica (850) e o Bethlem Royal Hospital em Londres. Entretanto o conceito degradou-se de forma progressiva e os doentes mentais, os pobres e os abandonados pelas famílias eram recolhidos em Hospícios, instiruições caridosas que eram um misto de casas de assistência e reclusão. Ali viviam também delinquentes e todos eram submetidos às mesmas normas de vigiância e repressão: grilhetas nos pés, açoites, privação alimentar O Renascimento não trouxe benefícios aos doentes psíquicos, mas pelo contrário, exacerbou as práticas de perseguição e desrespeito. Três seculos mais tarde (no Iluminismo) os doentes mentais viviam ainda em condições de promiscuidade, mal alimentados e submetidos a maus tratos. Alguns pensadores porém, trouxeram alguns avanços à psiquiatria durante a idade Média. São Tomás de Aquino, influenciado por Aristóteles, dedicou-se ao estudo da psicologia, e criou o Tomismo, uma espécie de neo-aristoltelismo. Já no período do Renascimento, Paracelso (1493-1541) advogava que a doença mental era uma perturbação da substância interna do corpo, o qual estava intimamente ligado à alma. Deveria-se então reforçar a capacidade do corpo para "curar a si próprio". Assim, Paracelso pode ser considerado como o primeiro psicoterapeuta. Johann Weyer (1515-1588), médico holandês, escreveu De Praestigiis Daemonum et Incantationibus ac Venificiis que postulava que as doenças mentais não eram sobrenaturais e que as feticieras precisavam ser tratadas como doentes psíquicos. Porém, estas foram manifestações racionais isoladas e apenas no final do século XVII notou-se maior interesse pela interpretação científica das "doenças do espírito".
[editar] Racionalismo
O século XVII traz o tema da loucura em obras poéticas tais como Hamlet e Rei Lear de William Shakespeare, o Elogio da Loucura de Erasmo e Don Quixote de Cervantes. No mundo científico, Copérnico, Leonardo da Vinci, Galileu Galilei, Descartes, Pascal e Isaac Newton revolucionavam as ciências naturais e o pensamento humano. Estas descobertas inluenciaram decisivamente a evolução científico natural da medicina e também na própria psiquiatria. Thomas Sydenham (1624-1689) foi o primeiro autor a descrever os efeitos dos opiáceos e realizou descrições sobre a coreia aguda, sobre a mania e a histeria. Thomas Willis (1621-1675) era um anatomista e neurologista e descreveu o Polígono de Willis, a paralisia geral (Sífilis) e a miastenia. Descreveu ainda alguns casos de jovens que na puberdade entravam em "estupidez", estado clínico que correspondia ou que veio ser designado por esquizofrenia. Do ponto de vista assistencial, entretanto, os doentes continuavam marginalizados. Na França, estavam nos dois hospitais gerais existentes: Salpetrière e Bicêtre, criados por Luís XIV em 1656.
[editar] A Revolução Francesa e Philippe Pinel
As idéias humanistas da Revolução Francesa combatendo a degradante concepção das doenças mentaistiveram seu ápice no gesto do médico francês Philippe Pinel (1745-1826). Ele era diretor do manicônio de Bicêtre, nos arredores de Paris. Impressionado pelas condições sub-humanas conseguiu a 24 de maio de 1798 autorização da comuna revolucionária parisiense para libertar os asilados, muitos deles algemados há mais de 30 anos. As idéias de Pinel foram publicadas no seu Tratado médico-filosófico sobre a alienação mental, que pode ser considerado como o primeiro livro anti-psiquiátrico. Deve-se a Pinel a primeira tentativa séria de classificação das doenças mentais, que agrupou em quatro catergorias: "manias" ou delírios gerais, "melancolias" ou "delírios exclusivos", "demências" e "idiotias". Seus estudos e reformas constituíram a Primeira revolução psiquiátrica, introduzindo os conceitos de moral e liberdade. Seu gesto teve larga repercussão e influenciou muitos em outros países, como William Tuke, um comerciante de chá que criou o primeiro retiro ou asilo humanizado nas proximidades de York, na Inglaterra. No século do Iluminismo, muitas contribuições foram devidamente assinaladas como as de William Cullen (1712-1790), psiquiatra em Edimburgo que estabeleceu uma das primeiras classificações das doenças psíquicas com alguma base científica. Foi o criador do termo neurose (doença funcional ou sem patologia localizada). A segunda metade do século XVIII é conhecida como Período da Psiquiatria Ilustrada. Foi uma etapa decisiva na maturação do pensamento científico psiquiátrico e a mais significativa figura foi sem dúvida Immanuel Kant (1724-1804) criador da filosofia transcendental.
[editar] Romantismo e neurofisiologia
Os conceitos introduzidos por Pinel constituiram o fermento das duas mais famosas escolas psiquiátricas dos séculos XIX e XX: A Escola Francesa de Psiquiatria e a Escola Alemã de Psiquiatria. Na escola francesa, o estudo e a terapêutica das neuroses eram um terreno de grande disputa devido aos trabalhos do neurologista Jean-Martin Charcot (1825-1893) que se dedicou ao estudo da hipnose e da histeria. Charcot considerava que estes dois fenômenos eram devidos a uma debilidade orgânica do sistema nervoso. Esta concepção era combatida pela escola de Nancy que defendia a "natureza sugestiva" e não orgánica daqueles fenômenos. Ao lado de Charcot estava Pierre Janet, psiquiatra que criou para aquela debilidade orgãnica o termo Psicastenia. Ele hipnotizou muitos doentes e descobriu que sob hipnose, estes podiam relembrar acontecimentos traumáticos e a rememoração poderia ajudar na cura. Esta técnica de "descarga emocional" foi descoberta e descrita quase ao mesmo tempo pela escola de Viena (Freud). As ciências naturais influenciaram grandemente o pensamento psiquiátrico da época, especialmente os trabalhos de Charles Darwin e Louis Pasteur. As obras destes e vários outros autores constituem o início da "Era Moderna" da medicina. Assim, a maioria dos psiquiatras da segunda metade do século XIX passou a procurar uma causa orgânica para as doenças psíquicas e esclarecer relações histológicas objetivas entre elas. Theodor Hermann Meynert e Karl Wernicke, neurologistas, dedicaram-se ao estudo do córtex e base do cérebro descobrindo relações associativas. Wernick realizou trabalhos sobre afasia e descobriu a dominância de um dos hemisférios cerebrais. Alois Alzheimer e Arnold Pick engrandeceram o estudo histo e anatomopatológico das demências. A partir destes conhecimentos surgem duas correntes teóricas divergentes na escola alemã, representadas por dois grandes nomes da psiquiatria: Emil Kraepelin e Sigmund Freud. Kraepelin (1856-1926) estudava a psiquiatria "pesada" (psicoses e asilos) enquanto Freud (1856-1939) estudou a psiquiatria "ligeira" (neuroses e consultórios). Kraepelin fez prevalecer os dados da observação clínica sobre os anátomo-patológicos. Com Freud, a biografia individual ganha importância e os fatores psicológicos adquiridos tem papel predominante na elaboração e valorização da doença. Na Itália, o antropologista Cesare Lombroso (1836-1909) cria importantes conceitos para a criminologia, como a "degenerescência psicológica" e tentou definir o "criminoso", o "louco" e o "atrasado mental". Foram os trabalhos de autores como Charcot, Meinert, Wernicke, Alzheirmer e Pick que permitiram deseignar este período do século XIX como período áureo da neuropsiquiatria.
[editar] Início do Século XX e a Psicoterapia
Além dos impactos no pensamento científico vindos dos cientistas, acresentou-se outro impacto, desta vez de concepções sociológicas revolucionárias do "materialismo histórico" elaboradas por Karl Marx e Friedrich Engels, que mudaram profundamente a estrutura e as relações sociais. A psiquiatria também foi influenciada pelo positivismo naturalista que caracterizou o final do século XIX e persistiu até a Primeira Guerra Mundial. A descoberta do agente da Sífilis [[Treponema pallidum]] inclinaram ainda mais intensamente a psiquiatria para uma orientação organicista. Entretanto, com a difusão das teorias freudianas, acentou-se ainda mais a bipolarização conceitual da psiquiatria. Assim, no entreguerras a psiquiatria estava dividida entre duas teses inconciliáveis: uma de natureza organicista e outra de natureza psicologista, considerando os mecanismos emocionais perturbadores e as situações de conflito como principais causas das doenças mentais. Na psiquiatria organicista, os estudos genéticos desenvolveram-se muito principalmente na Alemanha, onde foi criado o Institut für Erbforschung ou Instituto de Genética de Munich. Os trabalhos desenvolvidos lá comprovaram que diversas entidades nosográfica definidas pro Kraeplin (especialmente as psicoses endógenas) tinham base hereditária. Ernst Kretschmer (1888-1964) elaborou uma "teoria de maturação biológica", na qual certas constelações psicofísicas (biotipo-personalidade-doença psíquica) são interpretadas na base de grandes círculos heredo-constitucionais. Na psicanálise, autores que contribuíram para a sistematização e divulgação de conceitos psicanalíticos foram Adler e Jung, além de Melanie Klein, e Sandor Ferenczi. A dualidade psiquiátrica sofreu um grande abalo na Primeira Guerra Mundial. A incidência de quadros clínicos resultantes de situações emocionais causadas pela guerra causaram uma reação contra a "rigidez" das entidades clínicas propostas por Kraeplin e passou-se a defender a noção de Síndrome. As síndromes são agrupamentos de sintomas que se observam associados e cuja causa é desconhecida ou de natureza multipla. A psicanálise também sofreu abalos nas suas concepções de "contiuidade causal" com o desenvolvimento da Teoria quântica de Max Planck e a Teoria da Relatividade de Albert Einstein. Surgiram então psiquiatras que defendiam maior compromisso e associavam teorias, como Eugen Bleuler (1857-1939), que exerceu grande influência na psiquiatria européia sendo psiquiatra de formação organicista que acietava a valorização motivacional dos acontecimentos psicológicos e sua participação na causalidade das doenças mentais. Em 1911 Bleuler criou o conceito Esquizofrenia, processo mórbido de cisão da personalidade para substituir o Demência precoce, criado por Bénédict Morel no século XIX e confirmado pro Kraeplin. Os trabalhos de Ivan Pavlov com a descoberta do reflexo condicionado e das teorias da reflexologia favoreceu a contestação de não especificadade etiopatológica e etiológica das doenças psiquiátricas. Aceitava-se, nesta época o modelo médico mas também defendia-se que fatores psicogênicos e relações interpessoais poderiam causar descompensação psíquica. Na base dessa relação aparecia mais uma vez os próprios fundamentos da filosofia. Willy Mayer-Gross foi um entusiasta da fenomenologia no campo da psiquiatria, mas foram os trabalhos de Karl Jaspers, publicado em 1913 com o título Psicopatologia Geral que foi o mais significativo. Jaspers estabeleceu uma síntese entre o pensamento filosófico e os conhecimentos psiquiátricos, elaborando uma metodologia sistemática para abordar as doenças mentais através de duas vias: o método explicativo (erklären) e o método compreensivo (versthehen). Kurt Schneider foi outro autor de grande repercussão ao contribuir para a sistematização nosográfica das entidades psiquiátricas e para a compreensão da esquizofrenia. Quanto à terapêutica, a primeira tentativa de estender conhecimentos bio-físicos foi feita por Julius von Wagner Jauregg, que utilizou a tratamento da malária nas manifestações psíquicas da sífilis. Com o isolamento da insulina em 1922, em 1933 aparecem as primeiras experiências de choque insulínico em doentes esquizofrênicos, feitas por Manfred Sakel. Também em 1933 foram conhecidos os efeitos terapêuticos das convulsões na esquizofrenia por Ladislau von Meduna. Egas Moniz, em 1935, realiza as primeiras intervenções psicocirúrgicas na primeira lobotomia frontal. A eletroconvulsoterapia é utilizada pela primeira vez para fins terapêuticos em 1938. Em 1952, Jean Delay e Pierre Deniker relataram os efeitos da clorpromazina em doentes psicóticos. Desde então começou a revolução dos psicofármacos no tratamento das doenças psiquiátricas. A isso foi chamado Segunda Revolução Psiquiátrica. A Terceira Revolução Psiquiátrica teve início nos anos 60, nos Estados Unidos da América, a partir da chamada antropologia cultural, constituindo-se num movimento de caráter preventivo (saúde mental). Este é um dos principais aspectos da psiquiatria americana de hoje.